O e-commerce e a pandemia

ABRIG: O Brasil está passando por um processo de mudanças, e, com a pandemia da COVID-19, o consumo de produtos comercializados on-line aumentou significativamente. Sendo o Mercado Livre um representante importante do comércio eletrônico, quais os aspectos relevantes sobre a regulamentação do setor no Brasil?


FRANÇOIS MARTINS: A Universal Postal Union (UPU) é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) que coordena políticas e serviços postais. Há muitas discussões relacionadas a courier, pois os serviços postais impactam também os serviços logísticos. O projeto de lei da privatização dos Correios unifica tudo, e assim, há duas dimensões a serem observadas: operação interna no Brasil e a operação transfronteiriça (transborder).


ABRIG: A questão transborder é extremamente importante, pois quando falamos sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), existem questões ligadas à proteção de dados dos brasileiros, mas há recomendações internacionais de que os dados deveriam ser livres, conforme discussões do World Trade Organization (WTO), que realizou um debate sobre quais seriam as boas práticas e o que seria internacionalmente recomendável.


FRANÇOIS MARTINS: Observando o mercado latinoamericano e, principalmente, a realidade brasileira, muito do que entra e sai de produtos comercializados pelo comércio eletrônico da região passa pelos operadores postais. Trata-se da comercialização de pequenos pacotes, ou seja, o envio rápido de um pacote pequeno que é o envio de pequenas quantidades ou produtos unitários. A maior parte passa pelo canal postal, com exceção de quando o envio é feito por alguma empresa de courier, fazendo com que haja uma assimetria regulatória em relação ao canal postal.


É importante se ter uma visão de como o Brasil se posiciona na UPU. As ações da UPU têm implicações importantes no serviço postal e, portanto, têm grande impacto na logística do comércio eletrônico.


ABRIG: A UPU, em conjunto com a Organização Mundial da Aduana (OMA), alinhou os aspectos relacionados à comercialização de produtos provenientes do e-commerce e os aduaneiros. A intenção foi de estabelecer um sistema mais conexo e facilitar os procedimentos aduaneiros, permitindo uma maior troca de informações entre entidades institucionais e facilitar o comércio internacional.


FRANÇOIS MARTINS: Com a pandemia, houve um aumento do comércio eletrônico, mas, ainda, existem alguns gargalos no Brasil, particularmente quando vemos a demora de um produto comprado no exterior para chegar ao consumidor. Inclusive, nem sempre a rastreabilidade é clara, não sendo possível obter detalhes de onde está o problema da demora na entrega de determinado produto ao consumidor final. Assim, há a necessidade de avaliar todo o processo, e é justamente nesse aspecto que a UPU está atuando. É necessário estabelecer uma visão de futuro e, apesar de não haver nada perfeito, considerando os inúmeros problemas dos Correios, é importante destacar os serviços não-postais que são importantes, como por exemplo serviços bancários e de telecomunicações. A mudança dos hábitos do consumidor, que atualmente envia pacotes, traz também uma maior complexidade logística.


ABRIG: Não querendo justificar todos os problemas dos Correios, é necessário fazer essa avaliação histórica. E a pergunta que fica é: o que precisa ser feito? Como ajustar as políticas públicas, considerando exemplos de outros países?


FRANÇOIS MARTINS: Com o comércio eletrônico cada vez mais exigente e demandante, faz-se necessário melhorar a eficiência e sanar problemas passados. Obviamente, o setor privado pode trazer recomendações, uma vez que o governo primariamente analisa apenas a sua situação interna. Pode, também, apontar melhorias internas, que são mais complexas do que as entidades externas. O Comércio eletrônico crossborder é o comércio internacional, um formato diferente de se realizar o comércio exterior. A OMA é uma entidade extremamente importante, com grande impacto sobre o fluxo de comércio eletrônico crossborder. Um dos itens fundamentais dentro da OMA é a questão de capacity building, afinal, não há outra possibilidade de escoar os produtos pela aduana, pois estamos falando de comércio exterior. O modelo tradicional de verificação de produtos pela aduana no comércio internacional não se adapta bem às necessidades do comércio eletrônico. No Brasil, continua havendo fluxos distintos para o canal postal e para o transporte expresso, o que gera uma diferença de tratamento para compradores e vendedores, o que prejudica a experiência desses usuários.


ABRIG: Qual foi o impacto do aumento do comércio eletrônico no Mercado Livre?


FRANÇOIS MARTINS: O comércio eletrônico brasileiro teve um aumento significativo, chegando a uma penetração no varejo a um nível não esperado. Esse aumento se deu em parte graças à nossa liderança em acelerar a estruturação do nosso ecossistema integrado que, além de serviços de pagamento de ponta, também oferece a entrega mais rápida do Brasil.


ABRIG: Uma vez a pandemia do COVID estando sob controle, quais são as expectativas? Existe a possibilidade do comércio eletrônico voltar para os níveis do passado?


FRANÇOIS MARTINS: Não há possibilidade de o comércio eletrônico voltar para os níveis anteriores à pandemia. O e-commerce veio para ficar. Evidentemente, deverá haver uma variação, pois com a reabertura dos comércios físicos, parte da população irá preferir ir até as lojas para parte das suas compras, porém, percebemos uma mudança estrutural no comportamento de compradores e vendedores que indica uma consolidação de um novo patamar de crescimento do comércio eletrônico.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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