Diversidade, povos originais e investimentos verdes

Abrig: Na sua opinião, qual foi o resultado mais relevante da COP26 para o mundo? E para o Brasil?


Eliziane Gama: Em primeiro lugar, a própria realização da conferência. Lembremos que a questão ambiental no mundo e a mudança climática foram temas muito negligenciados pela administração Trump e o governo de Bolsonaro foi atrás. A mudança da postura americana com Biden oxigenou o debate, forçando países recalcitrantes ao tema a voltarem à mesa de negociação. Os acordos podem não ter sido aqueles que o mundo precisava para se salvar do desastre climático, mas a busca de soluções foi desbloqueada.


Abrig: O relatório organizado com o apoio da sociedade civil, apresentado pela senhora e por outros parlamentares no evento, teve a preocupação de apresentar dados verdadeiros e científicos da situação brasileira com relação ao tema. Como a transparência e confiança impactam no diálogo sobre as metas ambientais?


Eliziane Gama: Na COP26, tivemos o privilégio de apresentar um relatório oficial de um poder republicano, no caso o Senado, sobre o drama ambiental no Brasil, com informações negligenciadas pelo governo federal por ideologia e por interesses políticos menores, inconfessos. Jogamos ao lado do Brasil verdadeiro e, nesse ponto, a transparência é tudo, abre portas, melhor viabiliza o cumprimento de metas ambientais, inclusive com o apoio de outros países e empresas privadas. Estamos em um mundo globalizado, nele tudo se sabe, não se destrói o meio ambiente sem que o país responsável pague um alto preço. O Congresso Nacional brasileiro tem compreensão dessa realidade.


Abrig: A sociedade civil organizada brasileira mostra preocupação com a pauta ambiental, mas até que ponto ela pode avançar sem uma parte dos grupos envolvidos?


Eliziane Gama: Não resta dúvida, as conquistas e os avanços na área ambiental sempre são mais vigorosos quando há sinergia entre sociedade civil e poder público, sobretudo o federal. No Brasil de hoje, há uma disjunção nessas duas esferas, tirando dele o protagonismo que lhe cabe quando o assunto é meio ambiente. Creio que o Congresso Nacional, com todas as suas vicissitudes, joga um importante papel no restabelecimento dessas pontes, envolvendo Estado e sociedade organizada. E a busca dessa unidade precisa ser reforçada.


Abrig:  A presença da líder indígena Txai Suruí e da deputada Joênia Wapichana (REDE/RR) foi muito destacada na COP26. Como a senhora entende que seria possível avançar na inclusão dos representantes indígenas?


Eliziane Gama: A participação dos indígenas nos espaços políticos tem aumentado e vem como reação ao sufocamento empreendido pelo atual governo. Txai Suruí foi a única brasileira a falar na abertura da conferência e muito foi atacada pelo presidente da República. Chegamos a fazer um ato em desagravo a ela em Glasgow. Dados da Articulação dos Povos Indígenas mostram que temos cerca de 213 indígenas nas Câmaras Municipais, dez prefeitos. Essa representação precisa aumentar. Temos que estimular a participação, com leis que garantam reservas de vagas para os índios, inclusive com mais apoio dos partidos às candidaturas indígenas.


Abrig: Sabemos que as mulheres sofrem mais com os efeitos das mudanças climáticas. A perspectiva feminina está sendo ouvida na construção das soluções? Como essa mobilização pode ser ampliada?


Eliziane Gama: O descaso em relação ao meio ambiente afeta igualmente homens e mulheres. Obviamente, afetando a todos, e como as mulheres constituem a franja menos protegida da sociedade, elas acabam ampliando suas jornadas e dificuldades com as secas, enchentes e outros cataclismas naturais. Sem dúvida, as mulheres ainda são pouco ouvidas em relação a essa questão. O olhar e a sensibilidade feminina em muito contribuíram para posturas mais verdadeiras dos países e dos organismos internacionais frente ao tema.


Abrig: Na sua opinião, a pauta ambiental será relevante no processo eleitoral de 2022?


Eliziane Gama: Não tenho dúvida de que a questão ambiental voltará a ser preponderante no debate eleitoral em 2022. A nova realidade econômica mundial impõe compromissos sérios e inadiáveis do governo como a redução dos impactos ambientais e do desmatamento. Ou o Brasil se empenha no cumprimento de metas e na retomada da governança dos órgãos de fiscalização ambiental que foram desmantelados no atual governo, ou o país se transformará num pária isolado e com riscos de perder parceiros comerciais muito importantes. É preciso deixar claro que não há mais como desvincular o meio ambiente da economia, das relações de consumo. Veja que muitos consumidores já banem empresas ou produtos advindos de um processo de fabricação com muito dano ambiental. Esse é um caminho sem volta.


Abrig: Ainda há oposição entre desenvolvimento e proteção ambiental? Como superar essa compreensão?


Eliziane Gama: A falta de comprometimento do setor produtivo com o meio ambiente é algo ultrapassado, do século passado. Nos EUA, o esforço do governo em promover uma economia mais verde, a descarbonização, é marcante. A compreensão atual é que o desenvolvimento econômico depende da proteção ambiental. É um casamento. Empresas que respeitam o meio ambiente serão muito mais lucrativas e longevas. Adequação ambiental de empresas é pré-requisito para se manterem vivas e competitivas no futuro.



Eliziane Gama é senadora pelo estado do Maranhão e líder da Bancada Feminina do Senado.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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