Políticas públicas: como funciona o processo no Brasil

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 processo de formulação de políticas é complexo e múltiplos fatores afetam o seu resultado. As políticas públicas são resultado de uma complexa cadeia de decisões tomadas ao longo do tempo, envolvendo múltiplos atores e interesses em diferentes arenas de interação.


Dentre os diversos atores que participam da produção de políticas no Brasil, se destacam o presidente, os parlamentares, os líderes partidários, os governadores, os prefeitos, os burocratas, os juízes, os grupos de interesse, os sindicatos, os jornalistas, dentre outros membros da sociedade civil. A interação entre essa miríade de atores com preferências, interesses, ideias e recursos diferentes desempenha um papel fundamental no processo de produção de políticas.


A interação desses diversos atores é influenciada pelas características institucionais que estabelecem as regras do jogo político. As instituições criam incentivos e restrições para o relacionamento estratégico entre os atores. Portanto, antes de analisar as preferências e interações entre os atores em determinada área específica de política pública, é preciso analisar as “regras do jogo” que estruturam os ritos da competição. Isso inclui desde as características do sistema eleitoral e partidário, a estrutura federal, a capacidade da burocracia e a independência do judiciário, até as normas constitucionais que determinam os poderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em nosso sistema político, bem como nas normas que regulam o processo legislativo, uma das principais arenas para a produção de políticas públicas no sistema político brasileiro.


Em um sistema presidencialista como o brasileiro, o presidente ocupa posição de destaque no processo de produção de políticas públicas. Notadamente, o presidente brasileiro é conhecido como um dos presidentes mais poderosos do mundo, pois detém em suas mãos uma série de poderes que permitem influenciar o conteúdo das políticas públicas de acordo com as suas preferências. Dentre as prerrogativas constitucionais que empoderam o presidente, destaca-se o poder de decreto (medidas provisórias), a iniciativa exclusiva em áreas estratégicas (orçamentária, financeira, administração pública, entre outras) e o pedido de urgência. Além disso, também estão disponíveis ao presidente brasileiro o poder de nomeação, indicação e demissão dos funcionários do governo. Esses poderes afetam diretamente a formação dos gabinetes presidenciais e são utilizados como moeda de troca com os partidos políticos na negociação para a aprovação da agenda do governo no Legislativo.


Embora o presidente tenha muitos poderes em suas mãos, não tem capacidade de fazer tudo o que quiser. Para aprovar sua agenda é preciso negociar com os congressistas e com os partidos políticos. Nesse sentido, o Congresso Nacional brasileiro também tem um papel de destaque na produção de políticas públicas. É no interior do Congresso Nacional, nas Comissões Permanentes e Provisórias, nas audiências públicas que o conteúdo de muitas políticas é desenhado, negociado e decidido. Para utilizar um jargão da ciência política, o Congresso Nacional não é um simples “carimbador de borracha” das preferências do presidente e, cada vez mais, tem assumido papel de destaque na produção de políticas no país. Além da relação entre o Executivo e o Legislativo, o Judiciário também tem assumido cada vez mais um papel de destaque no Brasil, tornando-se um ator com grande capacidade de vetar propostas sobre questões sensíveis e controversas.


Além da relação entre os três Poderes em âmbito nacional, a produção das políticas públicas no Brasil também envolve a participação de atores políticos em esferas estaduais e locais, além do papel da burocracia estatal nos três níveis da federação. Do ponto de vista institucional, a produção de políticas públicas no Brasil é complexa, envolve uma ampla gama de atores estatais e não-estatais que detêm poderes de veto ao longo de uma extensa cadeia decisória. A aprovação e implementação de uma política pública demanda uma contínua negociação e cooperação entre diversos atores. Entender os incentivos institucionais do processo de produção de políticas públicas no Brasil é o primeiro passo. O segundo passo envolve a identificação das disputas de interesses inerentes a cada área temática ou política pública específica e o papel desempenhado pelos diversos atores imbricados no processo de produção de políticas públicas.


O profissional de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) desempenha um papel crucial no processo de formulação de políticas públicas no Brasil. Seja através do estreitamento da interação entre o Estado e a sociedade civil ou da influência exercida por estes profissionais nas decisões políticas e regulatórias de governos, a defesa de interesses perante as diversas entidades do poder público constitui, portanto, um fator agregador para os objetivos demandados pelas organizações na tomada de decisão, sobretudo na formulação de políticas públicas.


Compete destacar, em primeiro lugar, a importância dos recursos, em especial a expertise, mobilizados pelos profissionais de RIG para subsidiar a tomada de decisão na esfera pública. Conforme explicitado por Gozetto e Mancuso (2022), as contribuições técnicas apresentadas durante as distintas fases do processo decisório tendem a representar um ponto de inflexão dos múltiplos interesses sociais representados pelos profissionais de RIG - muitas vezes dissociados da agenda governamental - no rol das políticas públicas formuladas e implementadas pelo Estado.


Em segundo lugar, as redes e relacionamentos estabelecidos pelos profissionais da área com os distintos atores estatais responsáveis pela formulação de políticas denotam o estreitamento entre a representação dos distintos segmentos da sociedade civil e o aparato administrativo e político do Estado. Um ponto que, desde a formação do Estado Moderno, constitui um impasse para a ampliação das capacidades técnico-administrativas de distintos nichos da burocracia estatal, que tendem a atuar, em muitos casos, de forma insulada.


Um terceiro fator a ser considerado, como contribuição da atividade de RIG às capacidades políticas e operacionais do Estado na construção de políticas públicas, diz respeito à participação e ao engajamento social desses profissionais nas distintas fases do processo democrático. As demandas evocadas pelas entidades de representação de interesses, estabelecidas de acordo com as oportunidades e os desafios dos contextos políticos que estão localizadas, tendem a contribuir também para a tomada de decisão na arena decisória. Sobre esse aspecto, as análises conjunturais e a prospecção de cenários, inerentes à atividade RIG, agregam à tomada de decisão governamental potenciais oportunidades e desafios relativos à constituição da agenda decisória.


Escrito por:


Manoel Leonardo Santos

Professor do Departamento de Ciência Política e coordenador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG.

Karoline Rodrigues de Moraes

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Caio Cardoso de Moraes

Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).



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