COP 27: debate com resultados concretos tímidos

A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas foi tema da entrevista com Luciana Barbetta, Managing Director - Brasil da Powell Tate – empresa associada à Abrig. A COP 27, realizada no mês de novembro em Sharm El Sheikh, no Egito, abordou, dentre outras pautas, as mudanças climáticas e os impactos ambientais globais. Segundo Barbetta, eram esperadas discussões mais pragmáticas de como colocar em práticas metas já estabelecidas. "A mais notada ausência na COP 27 foi a pouca atenção dada à questão dos combustíveis fósseis", disse. Sobre o Brasil, afirmou que, devido à matriz energética predominantemente limpa, o país está em posição privilegiada em relação à transição energética. Confira na íntegra: 

ABRIG: A COP 27, realizada este ano no Egito, ampliou o debate sobre assuntos urgentes, como a meta de temperatura global, economia de baixo carbono e transição energética e fundo de perdas e danos. O que podemos esperar de resultado concreto após esse intenso debate que trouxe novas demandas para o mercado?


LUCIANA BARBETTA: O debate trouxe resultados concretos tímidos, sendo o mais marcante o fundo de reparação (Perdas e Danos). Ele é extremamente necessário devido à vulnerabilidade de partes envolvidas, mas lida apenas com consequências das mudanças climáticas. Houve frustração em torno do lidar com as causas. Era esperada uma COP de trabalho, de discussões pragmáticas, de como se implementar os comprometimentos de longo prazo de edições anteriores. Pouco se avançou incrementalmente nesse âmbito tático. As maiores demandas são como manter a engrenagem ativa, estabelecer metas intermediárias de curto prazo, avaliar custos efetivos e, principalmente, ser capaz de mensurar resultados, ainda sob o desafio de falta de padronização dentre as metas voluntárias.


ABRIG: Segundo algumas notícias veiculadas na mídia, a União Europeia esperava debates mais aprofundados durante a COP 27. Na sua opinião, quais temas deveriam ter ganhado mais destaque no debate?


LUCIANA BARBETTA: A mais notada ausência na COP 27 foi a pouca atenção dada à questão dos combustíveis fósseis, esperados como grande tema por constarem no documento final de Glasgow (COP 26). O contexto internacional pós-pandemia e o início de guerra em uma das regiões mais desenvolvidas no mundo representa desafios socioeconômicos que inibem a velocidade de mudanças desejadas. A crise energética se impõe à transição energética e exige compensações, ajustes que requerem financiamentos. Como custear e a distribuição de recursos – uma vez que o fluxo às regiões vulneráveis pode se ver comprometido – se fazem mais urgentes no debate para além da tradicional questão acerca das responsabilidades. A sociedade civil se torna cada vez mais necessária como fomentadora da mudança, ocupando vácuos de ação governamental, mas ela não pode caminhar sozinha.


ABRIG: Tendo em vista a importância do Brasil no debate ativo quanto às questões de preservação e projetos ambientais, quais ações nacionais serão essenciais para estabelecer bons resultados em prol das decisões da COP 27?


LUCIANA BARBETTA: Dada sua vasta quantidade de recursos naturais, o Brasil é, inevitavelmente, objeto dos debates ambientais, e sua postura é, também, de protagonismo. Dentre os compromissos que exigem mais ação estão a redução em emissões de gases e zerar o desmatamento ilegal. São desafios complexos que requerem gestão e, sobretudo, fiscalização eficaz. Essa semana, a União Europeia estipulou regras que estimularão nossos exportadores a vigiar o desmatamento a fim de seguir vendendo à região. Incentivos semelhantes podem trazer o sistema produtivo para o centro da ação. Propostas como o manejo sustentável da Amazônia ganham momentum na esteira dessas discussões.


Com relação à transição energética, o país está em posição privilegiada pela sua matriz de predominância limpa, os esforços são de garantir cada vez mais eficiência sem torná-la mais onerosa, garantindo o abastecimento da demanda. Olhar semelhante em sustentabilidade foi debatido acerca dos sistemas de alimentação, estimulando o manejo sustentável na agricultura e a segurança alimentar. Espera-se do governo incentivos, subsídios, regras e fiscalização para que a iniciativa privada engajada possa ser estimulada a progredir com relação às suas metas voluntárias. Por sua vez, cabe às empresas investir, também, na relação com os agentes públicos, para estimular movimentos, fomentá-los com conhecimento e projetos de qualidade em cada setor.


ABRIG: O Plano de Implementação Sharm El Sheikh apresenta a urgência em trabalhar, de forma mais ampla e multisetorial, contra as crises climáticas, além de proteger e recompor a natureza e seus ecossistemas de forma sustentável. De que forma as empresas podem contribuir para o alcance desses objetivos?


LUCIANA BARBETTA: Aqui, na Powell Tate, aconselhamos sobre o risco de as empresas adotarem um discurso vazio, sem ação real, sem planejamento e metas claras, alcançáveis, mensuráveis e transparentes. O ESG (Ambiental, Sociel e Governança) ganhou muito espaço no posicionamento corporativo nos últimos anos e esse posicionamento precisa se refletir na gestão e na entrega de resultados ou elas estarão sujeitas – com razão – às críticas de greenwashing e à baixa credibilidade, afetando reputações e, claro, os negócios. A indústria assumiu inúmeros compromissos de zerar emissões de maneira heterogênea não apenas em metas, mas em escopo, métricas e padrões. Em vista disso, a própria COP 27 publicou um guia de recomendações para orientar atores não-governamentais a lidar com esses desafios.


Internamente, uma vez estabelecido pelas lideranças, é preciso alinhar políticas e ações que permeiem toda a organização, engajar sua força de trabalho e aliar a visão de longo prazo a responsabilidades tangíveis de curto e médio prazos, que mantenham a engrenagem ativa. Externamente, é importante que as empresas façam pressão, como têm feito, investindo em advocacy e iniciativas concertadas para ampliar resultados coletivos. Durante a COP 27, por exemplo, a coalizão We Mean Business (da qual o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável faz parte) reagiu à tentativa de alguns governos de flexibilizar metas, angariando apoios como do G20 para pressionar a manutenção dos objetivos. A iniciativa privada, ao ocupar o vácuo das responsabilidades deixadas por outros atores institucionais, pressionando ou abraçando metas espontaneamente, vai além, exercendo papel fundamental para que, de fato, se enderece a questão climática.


Luciana Barbetta é publicitária pela Universidade de Brasília e pós-graduada em Gestão Empresarial pela ESPM e pela Haas School of Business da Universidade da Califórnia - Berkeley. Atualmente é Managing Director - Brasil da Powell Tate.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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