O lado B do financiamento em saúde

Q

uando discutimos a lógica do financiamento da saúde no Brasil, reflito sobre alguns tópicos. O primeiro, com relação ao tipo de sistema de saúde e sociedade que estamos construindo se continuarmos levando a saúde num ritmo com tantos solavancos. O segundo, o papel e a participação da saúde suplementar no acesso a serviços de saúde em nosso país. E um outro, de como o sistema sustentará o incremento de custos para se manter em funcionamento. Passadas duas crises — a recessão econômica de 2014-2016 e a atual pandemia —, é mais que chegado o momento de aprofundarmos o diálogo sobre essas questões.

Os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam com clareza um problema central do nosso sistema, o qual precisamos de esforços múltiplos para equalizar a conta: com despesas em saúde totalizando R$ 711,4 bilhões, o equivalente a 9,6% do Produto Interno Bruto (PIB), chama a atenção que o aumento dos gastos das famílias com saúde que é relativamente maior que os do governo. As famílias responderam por R$ 427,8 bilhões do total, correspondendo a 5,8% do PIB, enquanto R$ 283,6 bilhões (3,8% do PIB) foram despesas de consumo do governo. Ainda nesse cenário, vale também a menção da notável expansão das atividades da saúde suplementar nos últimos anos e a atual crise e insolvência do setor privado.


Essa participação das famílias e instituições nos gastos com a saúde vêm crescendo desde 2011. Por outro lado, as despesas do governo aumentaram entre 2013 e 2016, no entanto, permaneceram estáveis após uma queda em 2017. Postos esses números, fico em dúvida do que significa, afinal, a privatização da saúde. É aceitável que os investimentos privados sejam maiores que os investimentos públicos em saúde? Afinal, com um PIB na saúde tão tímido, os trabalhadores e as famílias é que endossam mais da metade desse percentual de investimento em saúde.


Essa comparação reflete também sobre um outro questionamento, com relação ao que está sendo entregue aos usuários, ao volume, à eficiência e à efetividade desses gastos com a saúde. Revisitando os últimos fatos e estudos publicados, é notório que falta previsibilidade e há grandes somas sendo desperdiçadas. Voltando à pergunta inicial: qual o modelo de sociedade que queremos?


Numa população em que a maior parte das pessoas depende de um sistema universal regido por princípios do SUS, os investimentos familiares serem maiores que os investimentos públicos, é, no mínimo, contraditório.


Se me propusessem traçar um plano de ação focando a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro, incluiria como urgência um novo modelo de assistência e o fato de que precisamos explorar a saúde digital como ferramenta não somente para ampliar acesso mas também de profissionalizar a gestão, ao tempo que precisamos enfrentar definitivamente os desperdícios e o modelo de remuneração, uma agenda que é um consenso entre notáveis e estudiosos.


Como agenda prioritária do governo, o Comitê de Saúde da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais – Abrig sugere focar não somente em ampliar o investimento, mas agir urgentemente sobre a revisão do custo Brasil numa agenda que inclui, mas não se resume, a taxações e impostos como custos ocultos que pressionam a operação do ecossistema da saúde. Adiciono também uma proposta para melhor utilização dos impostos pagos pelos brasileiros que, ao fechar a conta, pagam duas vezes pelo “direito” ao acesso à saúde: uma por meio do pagamento dos impostos e a segunda quando “faz a opção” pelo pagamento de um plano de saúde para garantir a segurança das suas famílias e/ou dos seus funcionários.


O Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde — CBEXs defende que a saída é um Pacto de Sustentabilidade e de transformações através de uma gestão profissionalizada, em que as lideranças devem utilizar dados e análises para uma tomada de decisão mais assertiva, utilizando também ferramentas de transformações digitais, governança clínica, ESG, compliance. Defende, também, que é urgente encontrar um meio termo entre os interesses de mercado e os princípios do SUS (participativo/inclusivo) e ambos hoje, setor público e setor privado, não estão conseguindo entregar pelo esgotamento do modelo ineficiente, judicializado, “politizado” e heterogêneo na gestão. 


Tacyra Valois é diretora da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais — Abrig , coordenadora do Comitê Saúde da mesma entidade e CEO do CBEXs Nacional.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  

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