Março no Congresso: os avanços nos debates e proposições legislativas sobre a mulher na sociedade

Antropóloga e cientista social, Raquel Carvalho Gontijo é voluntária no Observatório de Violência Política contra a Mulher e possui vasta experiência em pesquisas voltadas aos direitos humanos e à etnografia das instituições e das práticas de poder. Raquel também é associada à Abrig e membro do Comitê Mulher da associação. Em seu artigo, ela tratou sobre a desigualdade de representatividade feminina em ambientes públicos e políticos, bem como sobre o avanço em diversos projetos de lei pela atuação das bancadas femininas e, em alusão ao mês da mulher, os debates e as proposições legislativas discutidas no mês de março deste ano.


O mês de março é um período em que observamos os avanços e os desafios sobre a inserção da mulher na sociedade em espaços públicos e nos ambientes políticos formais, como as Casas Legislativas. Com isso, além de celebrar vitórias, também temos a chance de elaborar diagnósticos sobre os impactos das mudanças e, principalmente, dar mais visibilidade aos desafios e às mulheres. Embora o Brasil avance paulatinamente sobre os conceitos de violências contra as mulheres, havendo uma expressiva produção legislativa sobre as violências, seus conceitos perpetradores e formas de punição, ainda enfrentamos o desafio da efetividade das leis e punições.


A avaliação sobre os avanços para o ideal de igualdade de oportunidades e condições de acesso a direitos perpassa, necessariamente, sobre todos os aspectos da vida das mulheres e de suas condições socioeconômicas. Além disso, deve-se ponderar o espectro da interseccionalidade, a partir da constatação de que mulheres brancas e heterossexuais ainda possuem vantagens competitivas e de acesso a direitos, quando em comparação às mulheres negras, indígenas, quilombolas e transgênero. A riqueza sobre suas individualidades e sobre sua própria formação identitária devem ser reconhecidas e respeitadas. Leia na íntegra:


O cenário de desigualdade entre mulheres e homens perpassa todos os contextos sociais, laborais e políticos, nos quais se reafirmam nossas individualidades e papéis exercidos em sociedade. A partir disso, podemos pensar na elaboração de leis que promovam políticas públicas em prol de todas as formas da mulher de ser e estar na sociedade.


As bancadas femininas da Câmara dos Deputados e do Senado promoveram a visibilidade e os debates sobre a mulher durante o mês de março. Além de refletir e produzir leis que melhorem a condição feminina diante das violências contra sua existência, pensamento, atuação e corpo, devemos pensar sobre as condições de trabalho e atuação política da mulher.


Através da bancada feminina da Câmara, desde 2019, houve a aprovação de 163 proposições, 94 projetos de lei, três projetos de lei complementar, quatro propostas de emenda à Constituição, cinco projetos de resolução, 52 requerimentos de urgência, quatro vetos derrubados e um requerimento de moção. A bancada feminina do Senado também teve expressiva atuação. Durante 2021, 34 projetos foram aprovados e desses, 11 foram transformados em lei.


As proposições legislativas que foram aprovadas e transformadas em lei, a partir das ações no mês de março de 2022, abordaram temas diversos sobre a mulher, enquanto indivíduo e membro da sociedade. A obrigatoriedade de constar medida protetiva de urgência nos sistemas de registros de informações das Polícias Civil e Militar para melhorar o atendimento às vítimas de violência foi transformada na Lei nº 14.311/2022. A regulamentação para destinar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para o enfrentamento da violência contra a mulher foi publicada como a Lei nº 14.316/2022. A vulnerabilidade da mulher gestante também foi debatida a partir da publicação da Lei nº 14.311/2022, promovendo maior proteção à gestante ao regular o seu trabalho remoto.


A saúde também foi destaque, com a aprovação da Lei nº 13.320/2022, para que o poder público organize eventos, palestras e treinamentos junto às instituições sobre a prevenção de doenças cardiovasculares em mulheres. Foi instituído o Dia Nacional de Conscientização das Doenças Cardiovasculares na Mulher no dia 14 de maio. Houve, também, a aprovação para políticas específicas à mulher na prevenção dos cânceres de colo uterino, mama e colorretal. A Lei nº 14.321/2022, determina a obrigação de não intimidar e mesmo provocar a revitimização de vítimas de violência por agentes públicos, com a tipificação do crime de violência institucional. A garantia da participação política das mulheres no parlamento também foi debatida e, em comissões permanentes e provisórias sempre haverá a presença de uma mulher e de uma suplente, como previsto na proposição nº 36/2021 que aguarda sanção. A rádio Senado agora será identificada como Redação Repórter Larissa Bortoni.


O Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher, como parte da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, foi aprovado e visa o melhor compartilhamento e coerência entre as ações de nível local, estadual e nacional. O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual também foi celebrado no mês de março com a publicação da Lei nº 14.214/2021, para o combate à pobreza menstrual de mulheres vulneráveis economicamente e que, por isso, não possuem renda suficiente para a compra de absorventes. A PEC 18/2021, que dispõe sobre a aplicação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidatas mulheres para a promoção da mulher na política, bem como a divisão do tempo de propaganda em rádio e televisão, também foi aprovada. Entretanto, essa PEC possui um elemento controverso e considerado um retrocesso, tendo em vista que não será aplicada qualquer punição, como multa e devolução de valores, aos partidos que não utilizarem os recursos para as candidaturas femininas e quando não preencherem o percentual mínimo de 30% para candidatas mulheres nos partidos.


As proposições, os eventos e os debates do mês de março de 2022, envolveram a todas e todos, como políticas e políticos, assessorias parlamentares e profissionais das relações institucionais e governamentais. A definição de papéis sociais a partir do critério de gênero sempre foi um tema desafiador para as sociedades ao longo de gerações. A mulher, além de mãe e esposa em potencial, tem sido vista como um agente de transformação e de participação social. A atuação da mulher como partícipe e protagonista em outras relações, além da doméstica e familiar, é um desafio histórico nas sociedades. O Brasil é considerado um dos países com maior desigualdade de acesso a direitos e condições desiguais entre mulheres e homens, embora as mulheres sejam a maioria da população. O direito de estar em espaços de poder formais como Casas Legislativas, órgãos do judiciário e do executivo, além de posições de liderança e papel ativo como profissional, deve vir acompanhado de políticas públicas que afirmam a necessária igualdade entre mulheres e homens no acesso a direitos, na ocupação de espaços e no enfrentamento a posições preconceituosas, o que justifica a movimentação política de março para a efetivação da igualdade e a celebração pelos avanços promovidos.


Por: Raquel Gontijo, voluntária no Observatório de Violência Política contra a Mulher e membro do Comitê Mulher da Abrig.

*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  

compartilhe

navegação de notícias

notícias recentes

Tags

melhores escolhas dos leitores

categorias

notícias mais populares

siga-nos