Os efeitos do ano eleitoral no Legislativo brasileiro

Mestre em Poder Legislativo, Miguel Gerônimo da Nóbrega possui mais de 30 anos de experiência em atuação no Congresso Nacional. Miguel, que já foi Coordenador do Comitê de Regulamentação da Abrig e é associado da entidade, falou com exclusividade para a Revista Abrig Digital sobre os impactos do ano eleitoral na atividade de relações institucionais e governamentais e no processo legislativo. Acompanhe a entrevista:.

ABRIG: Quais são os impactos que o ano eleitoral pode causar no processo legislativo?


MIGUEL GERÔNIMO: É de praxe, em ano eleitoral, a redução da produção legiferante por causa do desvio de foco dos trabalhos legislativos para as campanhas eleitorais. Isso significa dizer que as eleições que ocorrerão no mês de outubro vão impactar fortemente os trabalhos do Congresso Nacional em 2022.


Em regra, no ano eleitoral, os líderes partidários, em entendimento com os Presidentes das Casas legislativas, combinam um “recesso branco”, não previsto em legislação, para que os parlamentares possam cuidar de suas campanhas em seus redutos eleitorais, uma vez que historicamente cerca de 50% da Câmara é renovada e novos aspirantes assumem os cargos nesta Casa legislativa.


Para amenizar esse impacto na produção legislativa, é comum que ocorra um acordo para viabilizar um “esforço concentrado”, em que os líderes partidários e a direção política das Casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), ouvida a sociedade, escolhem algumas proposições para serem debatidas e votadas durante uma ou mais semanas do período eleitoral com o objetivo de não paralisar de vez os trabalhos legislativos, o que ocorre normalmente no segundo semestre. De toda a forma, não necessariamente os parlamentares deverão se deslocar fisicamente a Brasília e abandonar temporariamente as suas campanhas eleitorais, uma vez que os presidentes da Câmara e do Senado podem se valer do Sistema de Deliberação Remota (SDR). Tal recurso foi inaugurado na fase mais grave da crise sanitária em função da pandemia da Covid-19.


ABRIG: Quando as comissões parlamentares começarão a funcionar neste ano eleitoral?


MIGUEL GERÔNIMO: Primeiramente, há que se entender que o Legislativo somente atua plenamente quando as comissões parlamentares estão funcionando a pleno vapor. Com base nisso e em função da “janela partidária”, período que vigora de 3 de março até 1º de abril, quando é permitida a migração partidária entre os atuais deputados sem prejuízo para o exercício do mandato, há que se esperar o final desse prazo para que se firme a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade partidária, quando então as comissões poderão ser constituídas com base no quantitativo real de membros de cada representação.


Até o final do período da janela, muitas mudanças são esperadas nos quadros partidários. Segundo a Agência Câmara de Notícias, vinte dias depois da abertura da janela, 55 deputados federais (10,7% do total de 513) mudaram de partido no período. Os motivos dessas movimentações têm cunho eminentemente eleitoral.


A despeito dos prazos a serem cumpridos, as articulações sobre as ocupações dos cargos de direção das comissões já se encontram em andamento. Há uma perspectiva para 2022 de que as presidências dos colegiados sejam mantidas com os partidos que as detinham em 2021, alterando-se apenas os candidatos a dirigentes (o Regimento da Câmara dos Deputados não permite reeleição para a Presidência e Vice-Presidência desses colegiados), ainda que a fusão de partidos em torno da formação de sigla única possa atrapalhar esse entendimento, a exemplo da União Brasil, resultado da fusão do DEM com o PSL. Cabe enfatizar que tal imbróglio não ocorre no Senado Federal porque o mandato dos cargos nas comissões é de dois anos.


ABRIG: Como seguirá a pauta do Legislativo nos próximos meses?

MIGUEL GERÔNIMO: O primeiro semestre desse último ano da 56ª legislatura será marcado por intensos trabalhos legislativos. As matérias que contemplam a retomada econômica serão enfatizadas para pôr fim, por exemplo, ao elevado preço dos combustíveis. Essa crise está prognosticada na agenda legislativa.


No âmbito das alterações constitucionais, as atenções estarão voltadas para a Reforma Tributária, em tramitação no Senado Federal (PEC nº 110/2019), na forma do substitutivo do senador Roberto Rocha. De outra parte, a Reforma Administrativa parece inviabilizada para este ano eleitoral pois, dentre outros fatores, o lobby dos servidores públicos ajudou a sepultar a matéria. Além disso, as medidas provisórias (MPs) continuarão a ser encaminhadas ao Congresso Nacional pelo chefe do Poder Executivo.


Ainda sobre a pauta congressual, é de se destacar que, de forma inédita, foi publicada em fevereiro deste ano no Diário Oficial da União a Portaria nº 667, da lavra do Ministro Chefe da Casa Civil, em que constam as matérias consideradas prioritárias pelo Presidente da República para o ano de 2022. Trata-se de 39 proposições em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Há temas com apelo econômico, mas a maior parte delas são referentes à chamada pauta de costumes e de segurança pública.


Em regra, no ano eleitoral, dificilmente matérias polêmicas são viabilizadas. Ainda assim, o governo elencou como prioridade o marco regulatório sobre a autorização de exploração de minério em terras indígenas e faixas de fronteira. O que se pode entender sobre a lista de prioridades apresentadas pelo Executivo é que se trata de uma ação política para jogar no colo do Legislativo a responsabilidade sobre a votação das matérias, muitas delas há anos deixadas em segundo plano no processo legiferante. Não parece que a estratégia governamental de elencar dezenas de projetos seja eficiente, pois misturar pautas de agendas distintas pode não agradar os legisladores, além de suscitar dúvidas sobre o que realmente seja urgente e prioritário.


ABRIG: Como a atuação e as estratégias dos profissionais de relações institucionais e governamentais podem ser afetadas em ano eleitoral?


MIGUEL GERÔNIMO: Desde o início das restrições de acesso físico ao Congresso Nacional, impostas em função da crise sanitária da Covid-19, o desenvolvimento dos trabalhos dos profissionais de RIG foi mitigado, uma vez que nada substitui, com efetividade, o contato corpo a corpo com os parlamentares.


O Legislativo tem, aos poucos, retomado o trabalho presencial, ainda que neste momento tenha optado pela participação parlamentar híbrida. Até lá, os profissionais de RIG terão de conviver com tecnologia que viabiliza acompanhar boa parte dos trabalhos a distância. Tal circunstância dificulta as ações em torno do processo decisório, pois o contato presencial apresenta melhores resultados no curso deliberativo do que a articulação viabilizada por plataforma de videoconferência, por exemplo.


Considerando que boa parte do calendário legislativo do segundo semestre será prejudicado em função da corrida eleitoral, quem atua na atividade de RIG deve antecipar as suas principais demandas para o primeiro semestre de 2022 e disputar espaço com acirrada agenda que deve lotar a atividade legislativa nos próximos meses.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  

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