Mestra em Poder Legislativo e especialista em Ciência Política, a coordenadora do Comitê Abrig Mulher, Francine Moor, discorreu sobre o papel do Estado no avanço de políticas igualitárias entre gêneros e sobre a importância da representatividade feminina em cargos de liderança, ainda pouco ocupados por mulheres nos espaços públicos brasileiros. Para encerrar o mês das mulheres, ela falou, ainda, sobre as ações que a Abrig vem realizando para que as novas profissionais de relações institucionais e governamentais (RIG) encontrem um ambiente político melhor no futuro.
ABRIG: Na Abrig temos a liderança feminina na presidência e presença marcante na diretoria, nos conselhos e nas coordenações de comitês. Qual a importância de vermos mulheres ocupando esses espaços de liderança?
FRANCINE MOOR: O primeiro ponto é que já sabemos que a representatividade importa muito. É um fator cultural e também neurológico. Quando vemos em um cargo de destaque uma pessoa com alguma similaridade conosco, entendemos que também podemos chegar lá. E entendemos que seremos acolhidos e apoiados na nossa trajetória e na ocupação dos espaços.
O segundo ponto é que os espaços continuam sendo masculinos, porque as mudanças não acontecem de um dia para o outro. Nós ainda temos uma história recente de participação feminina nos espaços de poder. Se pensarmos nos ambientes políticos, ainda relatamos uma história com uma única presidente da República, nenhuma presidente do Senado, nenhuma presidente da Câmara e apenas duas presidentes do Supremo Tribunal Federal. A lista segue com nenhuma ministra da Justiça, uma ministra da Fazenda e, mesmo em áreas ainda ligadas às temáticas femininas, como a Educação, tivemos uma única ministra. Aqui não tratamos somente dos cargos ocupados, mas de toda uma referência histórica de acesso, de construção de trajetórias e de delimitação de espaços de acordo com o gênero dos atores políticos. As mulheres participam formalmente dos espaços políticos, mas, de fato, continuam de fora.
ABRIG: Qual o papel do Estado na articulação de políticas mais igualitárias e qual o papel da sociedade civil? Quanto temos avançado no debate público dessas pautas?
FRANCINE MOOR: O papel do Estado é central! A sociedade civil pode fazer muito e na Abrig e no Comitê Abrig Mulher trabalhamos justamente na compreensão de que precisamos ter mais mulheres em posições de liderança para que elas participem da construção das políticas públicas. Mas, é do Estado a função de adotar medidas que protejam as mulheres e crianças e medidas que incentivem uma mudança cultural. De combate à cultura do estupro, ao machismo, aos preconceitos de gênero. De determinar ações nos ambientes de educação, de saúde, de trabalho e também nas residências.
Estamos avançando, com certeza. Podemos dizer que a partir da Lei Maria da Penha, de 2006, o Estado e a sociedade civil passaram a ter uma outra compreensão sobre o impacto da violência de gênero na sociedade. Convivemos com os números absolutamente inaceitáveis de uma mulher ser morta a cada 7 horas no Brasil. O crime do estupro é contado em números por minutos. Isso é um absurdo! A atuação das bancadas femininas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal envolve parlamentares de diferentes partidos e posições ideológicas justamente em torno da pauta violência de gênero. A sociedade civil tem muito a contribuir. Todos somos afetados e as respostas precisam ser urgentes.
ABRIG: Os debates em torno da pauta pelos direitos femininos ainda estão, de certa forma, limitados às mulheres?
FRANCINE MOOR: Sim! Infelizmente! Várias pesquisas indicam que mulheres que tratam das pautas femininas são penalizadas. Seja por perda de cargos ou promoções ou mesmo por um tipo de preconceito, ligado às atividades de ativismo. Isso acontece no mercado de trabalho, mas também na política. Entendo que esse é o grande ponto de mudança dos debates sobre gênero. Mas não é fácil construir um espaço atrativo para os homens. Porque ele precisa ser confortável também para que eles possam contribuir.
Os grupos femininos ainda estão, em geral, passando de uma fase de identificação pelas dores para uma fase de conexão para a definição de ações. E agora precisamos, mais do que nunca, que os homens participem dos debates. Precisamos construir juntos alternativas de mudança, porque elas precisam ser sociais e não só das mulheres. A deputada portuguesa Cristina Rodrigues levantou um ponto importante no último Diálogo Abrig (21/03/2022), o de que é preciso reduzir os privilégios masculinos. E também por isso eles precisam estar nos debates, para terem mais consciência sobre os seus privilégios e construírem juntos um novo modelo de sociedade.
ABRIG: No mês da mulher, qual mensagem gostaria de passar para mulheres que já são protagonistas na profissão de RIG e para aquelas que ainda estão iniciando sua trajetória nessa área?
FRANCINE MOOR: A Abrig tem oferecido muitas oportunidades para debatermos e construirmos ações, como aconteceu no dia 21, no Diálogo Abrig sobre a atuação feminina no Legislativo. Outra grande oportunidade será a 1ª Conferência das Mulheres da Área de RIG no Brasil, que estamos preparando para este semestre. O comitê foi criado para ser espaço de apoio e temos trabalhado neste sentido. Ainda somos minoria numérica na área (cerca de 30%), mas estamos avançando para a ampliação da presença feminina na área e no ambiente político como um todo. Também trabalhamos pela ampliação da presença feminina nas posições de liderança da área. Nossas pesquisas indicam que apenas 10% das posições do topo das hierarquias é ocupado por mulheres, tanto em associações quanto em empresas e consultorias.
Buscamos contribuir para que a área de RIG seja um ambiente seguro e produtivo para todas as mulheres. E principalmente para as que estão iniciando sua carreira. Esperamos que elas consigam atuar sem ter que abrir mão das suas preferências culturais, sem ter que escolher entre família e carreira, sem ter que escolher estratégias menos audaciosas na atividade para se protegerem de exposição ou do assédio. Trabalhamos para que todas nós possamos ser indivíduos completos, livres e produtivos, como deve ser direito de todo cidadão.
Acreditamos que se cada um fizer o que for possível, seja lá qual for a posição que ocupa, a realidade será transformada. Essa precisa ser uma tarefa de todos, homens e mulheres. Porque a inclusão feminina de fato, para além do direito, será positiva para toda a sociedade.