Em entrevista para a Revista Abrig Digital, Cezar Miola falou sobre a importância de uma legislação voltada para os direitos e as necessidades da criança a partir de seus primeiros meses de vida. “Investir em educação nos primeiros anos de vida significa priorizar a formação de capital humano, um dos principais fatores de crescimento de uma nação”, destacou. Ele também comentou sobre como os Tribunais de Conta podem contribuir na execução de políticas públicas nessa esfera. Miola é presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e conselheiro Ouvidor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Confira a entrevista completa abaixo.
ABRIG: Qual a relevância do Marco Legal da Primeira Infância na realidade brasileira?
CEZAR MIOLA: O Marco Legal da Primeira Infância se mostra cada vez mais necessário para unir o que a ciência diz sobre o desenvolvimento das crianças à criação de políticas públicas específicas para essa faixa etária. Comparado à criação do Estatuto da Criança e do Adolescente pelo Unicef, a legislação coloca a primeira infância na agenda da gestão pública, da família e da sociedade. Investir em educação nos primeiros anos de vida significa priorizar a formação de capital humano, um dos principais fatores de crescimento de uma nação.
ABRIG: A educação infantil é um dos principais fatores necessários para a promoção do desenvolvimento infantil, objetivo maior do Marco Legal da Primeira Infância. Como o senhor avalia os impactos dessa política pública?
CEZAR MIOLA: Estudos demonstram que frequentar a escola na primeira infância traz benefícios múltiplos, como o desenvolvimento de competências afetivas, sociais e cognitivas ajudando na formação de bases estruturais para a aprendizagem. E, no futuro, esses aspectos impactarão positivamente na renda e na qualidade de vida. Além disso, mães e pais que trabalham ou que precisam se recolocar no mercado de trabalho têm, na escola, um local seguro para os seus filhos. Não nos restam dúvidas é preciso priorizar a educação para romper com o círculo da pobreza, principalmente por meio da promoção da equidade social. Além dos esforços governamentais dos atores diretamente responsáveis por essas políticas públicas, outras instituições têm dedicado a trazer luz a esse cenário.
ABRIG: Quais as contribuições que podem ser oferecidas pelos Tribunais de Contas nesse processo?
CEZAR MIOLA: Os Tribunais de Contas desenvolvem diversas ações voltadas à efetivação de direitos e à execução de políticas públicas nessa área. A Atricon e o Instituto Rui Barbosa (IRB) integram o Pacto Nacional pela Primeira Infância, uma iniciativa que reúne esforços dos Sistemas de Justiça e de Controle, de órgãos públicos do Poder Executivo, de entidades do terceiro setor e da academia. As entidades também fazem parte do Grupo de Trabalho do Orçamento para a Primeira Infância, que integra a Comissão Interinstitucional da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância. O objetivo do GT é formar uma rede de instituições e especialistas capazes de discutir e formular parâmetros, metodologias e processos possíveis para identificação, organização, análise e divulgação dos investimentos públicos dirigidos à população de zero a seis anos. Além disso, o Comitê Técnico de Avaliação do Pacto Nacional pela Primeira Infância do Instituto Rui Barbosa (IRB), presidido pelo conselheiro Edson Ferrari (TCE-GO), vem desenvolvendo ações colaborativas nesse sentido.
Em relação ao acesso à educação infantil, um exemplo que gosto de citar é o trabalho realizado pelo TCE do Rio Grande do Sul. Os resultados alcançados demostram que o acompanhamento concomitante dessa política pública pelos órgãos de controle induz a melhoria da oferta de vagas em escolas públicas. De acordo com a Radiografia da Educação Infantil, estudo que identifica anualmente a carência de vagas em cada um dos 497 Municípios gaúchos, até 2019, houve um aumento de 88% no número de vagas em creches e 49% na pré-escola no Estado, com relação ao primeiro levantamento, realizado em 2010. Não apenas o próprio estudo, mas também as contínuas auditorias na área, em um número cada vez mais expressivo de municípios, induziram a esse aumento.
Esse case demonstra que a educação não é apenas um compromisso de prefeitos e governadores. Depende também do engajamento e da articulação de outras instituições públicas, entidades e da própria sociedade, que podem contribuir para a correção nos rumos dessa política pública. Os caminhos já estão apontados pelo Marco Legal da Primeira Infância, o que nos falta para trilhá-los é união e senso de responsabilidade, além de boa dose de trabalho e insistência.
Foto: Carlos Macedo