Inclusão e diversidade em RIG

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ABRIG: Vamos falar sobre a importância da diversidade no ambiente político?


BASILIA RODRIGUES: Como formadores de opinião, nós, jornalistas, podemos dedicar mais atenção a assuntos considerados grandes questões nacionais, principalmente aqui em Brasília, centro do poder. Cabe a nós irmos a fundo em questões como inclusão, racismo e equidade.


Na cobertura de política, somo 11 anos como jornalista. Ando por lugares de muito poder em que a cor negra não é padrão. O noticiário policial nos mostra diariamente que negro normalmente é visto como a cor padrão da violência. Tanto os postos de maior relevância social quanto os postos de relevância intelectual não costumam ser destinados ou associados à cor negra. Nestas eleições municipais de 2020, houve mais negros candidatos e eleitos do que nas anteriores, em 2016. Neste ano, 32% dos prefeitos escolhidos foram pretos e pardos, sendo que nas eleições de 2016 foram 29%, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para mim, como jornalista negra, ser negro, seja na política ou no Jornalismo, é um ato de resistência, uma manifestação, um protesto. Neste ano, por decisão do TSE, que depois foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), começou a valer aquela obrigatoriedade de proporcionalidade entre candidaturas negras e brancas, e os recursos que são destinados a elas.


De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há sempre grupos subfinanciados no processo eleitoral. Quem são? o homem e a mulher negra, sendo ela mais ainda. Há também os superfinanciados: brancos, em geral, mas principalmente homens brancos. Temos assim o recorte raça e gênero influenciando no financiamento de campanha e, consequentemente, na viabilidade eleitoral. Leva-se em consideração a cor, o sexo e também, para alguns estudiosos, a questão do direcionamento sexual.


ABRIG: Consciência de ser mulher, consciência de ser negra, consciência de ser. Como os movimentos organizados podem colaborar para essa consciência de ser e pertencer?


BASILIA RODRIGUES: Levando em consideração os exemplos recentes, impulsionados pelo movimento Black Lives Matter, temos visto muitos negros falando de racismo. Isso é pedagógico e de máxima importância. Mas gostaria de chamar a atenção para duas coisas: primeiro, não restringir esse lugar de reflexão, esse lugar que é nobre de reflexão social, à cor branca. A sociedade deu a liberdade, mas não deu as condições igualitárias de sobrevivência, não conseguiu garantir dignidade a essas pessoas. Você precisa ouvir os negros sobre o racismo também. Pessoas de diferentes origens falando de um problema que não é só do negro, que é um problema da sociedade, o racismo. Um dos pontos é este, portanto: não delegar somente à cor branca esse espaço de análise, reflexão e propositura, quem pode observar os problemas e projetar os acertos. O segundo ponto que vejo, e não menos importante, é: não restringir o negro a debates sobre raça. Independentemente da sua cor, ele sabe ou pode saber sobre qualquer assunto. São pontos que se complementam, da mesma forma que não pode ter só branco discutindo racismo, não pode ter negro falando somente de racismo.


Inclusive, porque as pessoas não são iguais entre si, por não terem a mesma cor de pele, é que alcançam telas diferentes de conhecimentos, de vivências. É claro que o negro da periferia vai ter uma percepção de racismo muito diferente de um negro de classe média, ou de um negro que é filho de empresário. Ainda sobre o posicionamento de negros na sociedade, existem também aquelas pessoas, que dentro desse conceito de auto declaração, se movimentam por conveniência. São aqueles que se colocam como defensores da causa, objetivando algo individual e não para o grupo. Lembrei-me de uma expressão usada por uma professora minha do curso de Sociedade, Raça e Cidadania. Ela dizia o seguinte: existe o “estelionato racial”. Agora o que significa isso? É um negro por conveniência, é aquela pessoa que se reveste do discurso de combate ao racismo somente quando lhe convém. No momento em que não for mais interessante para aquela pessoa negra se autodeclarar negra, então ela passará a ser uma daquelas pessoas que dizem assim “para que consciência negra? Você tem que ter consciência humana!”. Acontece que não dá para você dizer isso porque essa consciência humana tem se provado ineficiente, ao longo da história. Ter consciência humana não impediu que a sociedade tivesse uma fase escravocrata. Ter uma consciência humana não impediu que até hoje a gente vivesse e repetisse situações de racismo.


ABRIG: Os conceitos servem para alinhar desigualdades existentes, para entender o porquê?


BASILIA RODRIGUES: Esse conceito do estelionato racial me chama a atenção porque ele tem um verbete que é criminoso (estelionato) e outro associado à cor, à raça. Então é a prática própria de uma pessoa que dissimula, finge ser algo que não é. Ainda que tenha a cor negra, não tem um pensamento coletivo, contra o racismo, por exemplo.


ABRIG: Quais ganhos a diversidade no ambiente político traz para a sociedade através dos tomadores de decisão e agentes políticos?


BASILIA RODRIGUES:  A diversidade de cores garante um mosaico de ideias. Então, não haverá somente homens brancos decidindo sobre a vida de homens negros. Ou só homens, e somente homens, decidindo sobre a vida de mulheres. A meu ver, quando houver mais ambientes com múltiplas faces, também haverá mais ambientes mais democráticos e criativos - um ambiente eficaz. Não é um simples quadro, “vamos colocar aqui no quadro de funcionários todo mundo e mostrar que temos diversidade de cores e etnias”; isso é uma foto. Ir além disso é dar voz, equidade, que é um pouco de paridade de armas a essas diferentes cores, o que tem poder de trazer resultados positivos para todo mundo.


ABRIG: Na política, há uma relação, construída socialmente, de que ações e discursos sobre a questão da raça, sobre gênero e outras minorias estão ligadas à esquerda. Como você vê essa identificação hoje?


BASILIA RODRIGUES: Eu acho que o liberalismo muitas vezes é associado ao campo da direita, onde as pessoas têm livre arbítrio, ou um estado menos intervencionista, onde você não tem que dar o peixe mas dar a vara para as pessoas poderem pescar. A pandemia comprovou que não há espaço para individualismo em uma sociedade pósmoderna. O Brasil é um país rico com população pobre, marcada pela desigualdade social e de renda, também pela concentração de renda. Querendo ou não, essa visão mais intervencionista, em que o estado é instado a atuar, acaba sendo mesmo despertada do lado do espectro da esquerda. Ao mesmo tempo, eu tenho para mim que as pessoas e a política evoluem, há bons políticos de direita (governadores) que dedicam suas gestões a fazer um governo social, democrata social; um governo que tenta andar com as duas pernas, a perna do liberalismo e a perna do desenvolvimento social, que não se confunda com o populismo. Aprendemos que não há alternativa de mudança, quando se opta somente por um lado.


Temos passado por uma crise de diálogo e entendimento também. Se antes você discutia as formas de resolver um problema, hoje você duvida da existência desse problema. É como falar que não existe racismo ou que o Brasil não é pobre. Seria admitir a incapacidade de resolver um problema social. Você vai encontrar discursos recentes de políticos falando exatamente isso. Tentando resumir: se antes na disputa entre direita e esquerda você tinha dois espectros políticos digladiando sobre a melhor forma de resolver um problema, hoje a gente tem um grupo de políticos negando a existência do problema. Vi um estudioso falando que agora o mundo não está mais dividido entre direita e esquerda, mas entre cosmopolitas e nacionalistas, porque a discussão de esquerda e direita não responde mais aos problemas das nossas vidas.


Basilia Rodrigues é analista de política da CNN Brasil. Foi repórter da rádio CBN. Há quase 12 anos, participa da cobertura dos principais fatos políticos e do Judiciário. Colaborou com textos e análises para sites, como Jota, Metropoles, Congresso em Foco e Gazeta do Povo. 


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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