Em entrevista à Abrig, a vice-presidente do Instituto Ideia e especialista em marketing político, Cila Schulman, afirma que, apesar das cotas, a representatividade feminina na política segue baixa devido ao machismo imposto frente à sua candidatura.
O sistema político continua funcionando de maneira muito hierarquizada, por isso a dificuldade feminina é dobrada. Sem espaço, a mulher é hostilizada por partidos machistas e na hora da competitividade, entra em uma posição inferior na corrida política, fazendo-a perder suas chances.
“O espaço que as mulheres têm ainda é só o da cota, elas não veem outras mulheres conseguindo entrar. Em geral, elas são irmãs, filhas ou mulheres de políticos tradicionais que as colocam ali para ocupar um espaço. Portanto o mandato não é delas. Eu acho que isso é uma violência. Você coloca uma mulher no cargo, mas o mandato, na verdade, não é dela, o mandato pertence a um homem.”
ABRIG: Como foi enfrentar as suas primeiras vezes no mundo profissional. Você sentiu alguma dificuldade para se tornar protagonista na sua área?
CILA SCHULMAN: Eu comecei a trabalhar com 16 anos no jornalismo e tinha muita mulher na redação. Mas os cargos de chefia sempre eram ocupados por homens. Nessa primeira fase do meu trabalho, eu não sentia preconceito claro, por exemplo, cobrindo a Constituinte em Brasília. Era um ambiente bastante masculino de poder, mas como eu disse ainda tinha muita mulher. Quando eu passei pelo marketing político, aí sim, e é algo que dura até hoje, um ambiente de pouquíssima mulher na área de comando, na área de coordenação de campanhas. Eu sofri situações de assédio moral por algumas situações de constrangimento, mas passaram despercebidas na época. São situações que as pessoas sofrem até hoje. A diferença é que estamos mais conscientes. E ainda bem que ficamos porque isso impacta diretamente as próximas gerações.
ABRIG: Como é que você lida ainda hoje com esse tipo de situação, e como é que você buscou ultrapassar esses obstáculos para conseguir chegar a essa posição de destaque que você tem na sua profissão?
CILA SCHULMAN: Trabalhando muito. E a mulher tem que trabalhar mais do que os homens. Hoje eu tenho uma posição mais confortável a respeito do profissional, a maturidade tem algumas coisas que hoje me facilitam, mas o diferencial foi o trabalho. Não tinha nada que me fizesse parar; eu não dramatizava nunca. E sempre consegui me proteger, sempre fui muito profissional, nunca misturei as coisas. A partir do momento em que fui crescendo na profissão e nos cargos que eu ocupava eu acabei também por proteger muito as meninas que trabalhavam comigo, e não deixando ninguém entrar naquele espaço. Então eu fui eu fui formado e blocos mesmo com elas não deixei que ninguém assediasse quem trabalhava comigo. Aí não era brincadeira não, quando era com as outras eu era muito assertiva, tanto que nunca acontecia nada. Eu estou falando de campanhas, então é um ambiente muito grande, que pode acontecer muita coisa, aí nas minhas campanhas eu nunca aconteceu. Eu sempre fui muito firme com isso e na proteção e nos limites, nunca permitia abuso nesse sentido.
ABRIG: Você falou em criar esse ambiente positivo, você sempre promoveu uma situação que condenava abuso e não permitia essa situação. O que você acha que precisa ser feito para a gente avançar como sociedade como um todo e especificamente na sua área como chegar a essa situação de oportunidade igual entre os gêneros?
CILA SCHULMAN: Eu sempre fui um fora da curva quando eu fazia as campanhas políticas. Por exemplo, fiz campanha grávida. Eu tive que esconder que estava (grávida), porque eu não teria condição de comandar uma equipe revelando que eu estava grávida, eu só revelei quando acabou a campanha. Então, eu tive que tomar alguns cuidados que eu achava que eram necessários para não ter mais preconceito. Já tem uma questão: como é que se veste, como é que se porta, quem namora... Eu já sofri muito com esse tipo de ataque. Eu fui secretária de Comunicação, eu era muito jovem e mulher, e eu me lembro que quando eu recebia um dono de jornal do interior, o sujeito desacreditava que eu era secretária, queria achar o meu chefe, dizendo: "Quem manda aqui de verdade, não pode ser você". Mas para mudar de verdade essa situação, precisamos da presença dos homens nessa conversa. A gente já andou muito na conversa entre mulheres.
Eu trabalho muito com essa com essa causa de aumentar o espaço da mulher na política, que é muito pequena, é muito difícil, os partidos são muito machistas. Agora temos uma bancada feminina no Senado e elas estão indo muito bem. Então acho que entre as mulheres a gente está conseguindo conversar. Mas eu acho que a gente tem que abrir um espaço para os homens.
ABRIG: Você citou a bancada feminina. Ali no Senado a gente viu aquele movimento delas na CPI, elas estão conseguindo mais espaço realmente. Mas o Congresso é completamente desproporcional entre homens e mulheres, bem diferente do que a sociedade. Como melhorar a representação feminina dentro da política brasileira?
CILA SCHULMAN: As cotas são necessárias, como as cotas de financiamento, e agora essa cota de chapa, que não existia. Infelizmente nessa última eleição a gente não viu isso se transformar em voto. Porque o espaço que as mulheres têm ainda é só o da cota. Muitas mulheres que entram na política e ganham o mandato estão ali porque são irmãs, filhas ou mulheres de políticos tradicionais que as colocam ali para ocupar um espaço. Portanto o mandato não é delas. E isso é uma violência tremenda. Você coloca uma mulher no cargo, mas o mandato, na verdade, não é dela, o mandato pertence a um homem. Então, tem duas questões, das mulheres se apoiarem e fazerem movimentos para aumentar a participação feminina, trazer mais mulheres para disputar eleição.
No ano passado o que aconteceu é que as mulheres, que são mães e cuidadoras, por conta da pandemia não conseguiram fazer campanha. Não dava. Se a gente regrediu 30 anos no espaço da mulher no mercado de trabalho, imagina na política. As mulheres simplesmente desistiram. Não foi nem que elas perderam, elas desistiram. Então acho que a gente tem que ajudá-las muito a conseguirem ser candidatas. A outra coisa importante é que, no mandato, você tenha um mínimo de pautas femininas. A Melinda Gates defende essa estratégia para ampliar o espaço da mulher. É o único jeito que a gente vai conseguir.
ABRIG: Como?
CILA SCHULMAN: Precisamos dar condições para mais mulheres serem candidatas. É muito difícil para uma mulher ser candidata, porque ela é muito hostilizada, ela não tem espaço, os homens passam por cima dela, os partidos são muito machistas hierarquizados, então a mulher entrando numa posição muito inferior na hora da competitividade ela perde.