Mestre em ciência política e diretora de Relações Institucionais e Governamentais da Endeavor, Renata Mendes está engajada na mobilização da sociedade em temas de grande interesse, seja no empreendedorismo ou na conscientização de uma reforma tributária capaz de não só tornar a atividade econômica mais dinâmica, mas gerar equilíbrio e justiça social.
Não por acaso, ela é um caso de primeiras vezes: a primeira mulher com mestrado na família e a primeira que chegou a posição de diretoria em uma organização global. E tudo isso antes dos trinta anos!
Nesta entrevista exclusiva à Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais, Renata faz uma reflexão importante sobre as exigências que recaem sobre as mulheres ao longo da vida e a busca pela perfeição.
“Essas exigências de mulheres líderes que são mais eficientes no gasto público, menos corruptas, que fazem uma gestão de excelência, são só o reflexo daquilo que as mulheres são exigidas ao longo de toda a sua vida. Então, não seria diferente na nossa carreira profissional, na política, ou dentro das próprias empresas. A gente é demandada ao longo de toda a vida por essa posição de perfeição”, afirmou.
Na conversa, ela ainda aborda suas expectativas para as próximas gerações que estão ingressando no mercado de trabalho e fala sobre sua visão da capacidade de a mulher construir melhor o processo de tomada de decisões no setor público e privado.
Leia abaixo a entrevista:
ABRIG: A história contemporânea das mulheres é feita de primeiras vezes. Como você se vê nesse contexto?
RENATA MENDES: Acho que é a história que todo mundo tem várias primeiras vezes. Mas no caso das mulheres, são primeiras vezes que demoram mais para chegar. Então, quando eu penso na minha história e nas minhas primeiras vezes, especialmente quando eu olho para família da minha mãe, eu sei que eu sou a primeira mulher com mestrado na nossa família, e a primeira também que conseguiu chegar numa posição de diretoria em uma organização global. E fazer tudo isso aí antes dos trinta anos. Por isso eu acho que essas duas coisas significam muito quando a gente olha para trajetória profissional das mulheres, tanto acadêmica, quanto profissional.
E eu sei que essas coisas aconteceram porque eu tenho um pai e uma mãe muito preocupados com a minha educação e formação, assim como da minha irmã. Desde criança olharam para isso com muito carinho, impulsionaram tanto a mim quanto minha irmã, para que a gente fizesse e se desafiasse em termos de educação no que a gente quisesse. Então, eles fizeram sempre muito esforço para proporcionar uma educação de qualidade para a gente e abrir caminhos que eles não tiveram oportunidade.
Isso eu consigo ver hoje que teve muito resultado. Eu tive essa sorte e eu abracei essa sorte para conseguir estar onde eu estou. E agora eu me vejo numa posição e numa responsabilidade de abrir espaço para outras mulheres alçarem esses voos mais altos e conseguirem fazer outras escolhas. Mesmo que não seja esse mesmo tipo de carreira, mas que elas possam ter escolha de sonhar mais alto, de voar mais alto, se assim elas desejarem.
ABRIG: Desde o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a sociedade construiu um modelo de sucesso feminino bastante referenciado no modelo masculino de sucesso. Você entende que há uma demanda por novos modelos?
RENATA MENDES: Acho que não só tem uma demanda, como já está acontecendo. Novos modelos de liderança, mais inclusiva, mais participativa, mais democrática, elas já tão acontecendo. Mas isso ainda é desafiador quando a gente tem poucas mulheres em cargos de liderança.Eu tenho a sorte de estar numa organização em que a maioria da liderança é composta por mulheres. Eu percebo essa diferença no processo de tomada de decisão, na discussão dos temas, já é um outro perfil. Um fórum que tem uma característica diferente de outros espaços que eu frequento, outros espaços de tomada de decisão e de discussão de temas. Logo, eu tenho essa sorte de ver um novo modelo acontecendo, eu vejo outras mulheres, em Helgovin Advocacia, ocupando esses espaços e trazendo outras formas de liderar, outras formas de tomar decisão.
Aqui eu estou falando de mulheres, mas claro que perfis diversos vão assumindo posições de liderança, ocupando espaços que antes eram majoritariamente ocupados por homens brancos. Isso vai mudando a forma de discutir, de tomar decisão, de liderar, é natural. Acho que o perfil e o padrão de liderança masculina estavam dados porque havia o perfil das mesmas pessoas ocupando essas posições e isso direcionava a estratégia das empresas, das ONGs e do próprio Governo. Tanto na política quanto no setor privado, quanto mais a presença feminina e grupos minoritários vão ocupando esses espaços, mais a gente tem outras formas de tomar decisão e de considerar problemas. De ter ações em torno delas.
Por isso que é tão importante a gente trabalhar por diversidade de uma forma mais ampla, porque essa representatividade garante que outros modelos possam emergir, outras formas de discutir os assuntos e outras questões sejam consideradas. Na própria política tem essa discussão de destinação de recursos pra candidaturas de mulheres. Ainda existem vários desafios em torno disso e da efetividade dessas medidas, mas isso tem vem sendo discutido e vem sendo colocado em prática. Naturalmente novos modelos assim vão emergir.
ABRIG: São comuns as perguntas feitas a você que não teriam sido feitas a um homem na sua posição?
RENATA MENDES: Eu não tenho lembrança de uma pergunta que tenha sido feita para mimque não poderia ter sido feita a um colega homem, mas consigo lembrar comentários, sobre a minha aparência por exemplo. Já fui falar em eventos e o comentário era tipo: “Agora a gente vai ouvir a bela Renata”. E isso dói muito, porque a última coisa que eu quero, ou que eu preciso que seja notado, é a minha aparência. O mais importante é o conteúdo do que eu estou dizendo, a mensagem que eu quero passar e como aquilo vai impactar as pessoas. Então, é muito difícil e eu sei que isso acontece muitas vezes. É uma questão cultural forte, falar sobre a sua idade, como você é jovem e bela. Enfim, falar sobre suas verdades e sua aparência juntos. Isso acontece muito e é muito desagradável, porque já parte de uma posição que a gente tem que conquistar o respeito e demonstrar que a gente tem conhecimento sobre. E, além de tudo, a gente precisa lutar com esse comentário adicional em relação a nossa aparência, para tirar o foco da aparência e trazer o foco para principal questão que a gente está ali defendendo como profissional.
Eu sei que os colegas homens têm mais facilidade, inclusive na forma como eles se vestem, como eles se portam, isso não é tão importante. Já para nós mulheres tudo é importante. A forma como a gente está vestida ou deixa de estar vestida, o nosso cabelo, como a gente fala, e se a gente tem muito mais dados e muito mais embasamento, tudo isso é muito importante, porque não tem espaço para falha. A gente sabe que essa carreira de mulheres é muito composta de estar cinquenta vezes, cem vezes mais preparadas do que qualquer homem estaria para as discussões, porque a gente não tem mesmo margem para erro.
Então, tem esse desafio, tem essa barreira a ser quebrada de conquistar o respeito e ser ouvida da mesma forma e com o mesmo crédito que um homem de partida já recebe. Isso já é um desafio grande, e aí quando se mistura a aparência e comentários em relação a sua aparência, é um desafio adicional. Se vai estar mais arrumada, o vestido de determinada forma, ou que aquela roupa vai passar uma mensagem X ou Y, são muitos cálculos a serem feitos para ajudar nessa constituição de credibilidade. É como e de que forma e com que tom fazer isso para não ser mal interpretada, para não ser entendida como um pouco profunda, como agressiva demais. Para além das perguntas, tem todas essas coisas numa dimensão mais tácita, que a gente precisa considerar, porque sabe que a gente vai ser avaliada desta forma.
Eu espero que para as próximas gerações que estão vindo, ingressando no mercado de trabalho, a gente já consigamudar um pouco esses padrões e ir desmistificando algumas dessas coisas. Para que essas outras mulheres tenham mais espaço e gastem menos tempo pensando em coisas que não são tão importantes assim. Que gastem mais tempo se preparando para as mensagens e pensando menos em todas essas outras variáveis que não necessariamente os homens precisam fazer.
ABRIG: Há uma expectativa crescente de que mulheres líderes sejam menos suscetíveis à corrupção e melhores gestoras dos recursos públicos. Essa não seria uma responsabilidade a mais imposta às mulheres, já que tratamos de compromissos de todo os cidadãos?
RENATA MENDES: Acho que essas exigências de mulheres líderes que são mais eficientes no gasto público, menos corruptas, que fazem uma gestão de excelência, são só o reflexo daquilo que as mulheres são exigidas ao longo de toda a sua vida. Então, não seria diferente na nossa carreira profissional, na política, ou dentro das próprias empresas. A gente é demandada ao longo de toda a vida por essa posição de perfeição. Não tem espaço para erro, como eu já falei antes. Então, não tem muita margem para errar, tem que dar certo, a gente tem que se portar de uma forma perfeita, ser exemplo de conduta, ser sempre muito compreensiva, muito empática. É uma demanda irrealista que vem desde que a gente nasce e nos acompanha ao longo de toda a vida. Que ótimo que mulheres gestoras performam melhor, mas sim, essa é uma demanda, e uma régua que deveria ser igual para qualquer pessoa que ocupa uma posição pública. Na verdade, esses são princípios universais. Não só nas posições que se ocupa, mas não ser corrupto, tentar usar os recursos de forma mais justa, transparente, eficaz, isso são princípios que deveriam ser adotados em qualquer posição que ocupar como profissional. Mas a gente sabe que essas regras são muito diferentes para homens e mulheres e que sim, sem nenhuma surpresa, as mulheres acabam performando melhor.
Por conta desse ideal da perfeição, dessa exigência e cobrança que vem de todos os lados. Vem da nossa família, vem dos amigos, vem na escola dos professores, vem na universidade, vem na vida profissional, desde o estágio, desde que a gente começa a pesquisa. Então, acho que tem essa demanda de todos os lados e isso acaba se revertendo em resultados. Mas também desejo ver essa régua ficando mais igual para todo mundo.
ABRIG: Empatia é comumente apontada como uma característica naturalmente feminina. Essa poderia ser, na sua opinião, uma justificativa para os bons resultados dos governos femininos nos enfrentamentos da pandemia?
RENATA MENDES: Mais uma vez voltando para questão dessa régua que é diferente para homens e mulheres, no caso da pandemia não seria diferente. As líderes mulheres pelo mundo, na Alemanha, na Nova Zelândia, na Finlândia, tomaram as rédeas do problema e escolheram olhar para o desafio da pandemia muito mais embasada pelas recomendações da ciência, tomando decisões rápidas para preservar vidas. E aqui não só por uma questão de empatia, que é um fator social, não biológico das mulheres. É socialmente imposto e demandado das mulheresessa posição mais empática, como eu já falei antes, mas não só por empatia. Essas mulheres têm bem menos chance de errar em possibilidade de erro. E colocaram em prática ações que já estavam sendo recomendadas como algo de sucesso e algo que iria proteger a população e minimizar os riscos da pandemia. Não à toa a gente vê os resultados de sucesso, o mesmo acontece aqui no Brasil.
A prefeita Raquel Lira lá em Caruaru também tomou ações muito rápido assim que a pandemia se iniciou. Pensando em preservar as vidas, pensando em como dar suporte aos empreendedores locais. Com muito, mas muito respaldo do que estava sendo discutido pela ciência, do que vinha de recomendação... E de forma muito transparente, envolvendo a população, que eu acho que acontece também nos outros países, uma comunicação mais séria, mais transparente mesmo
A gente ganha muito com diversidade, com perfis diferentes de liderança. Não quer dizer que é melhor ou pior, mas ter mulheres nesse caso se mostrou positivo por considerar essas diferenças, para trazer um pouco mais de evidências, e pela baixa margem de erro que elas têm. Essa vontade de agir, e agir rápido, e conseguir mitigar esses efeitos. Isso aconteceu na pandemia, mas acho que é algo que se repete. Não só no governo, mas também nas empresas há essa preocupação em agir da maneira correta, em agir rápido, em ter responsabilidade, em ser transparente, porque isso é cobrado, mas porque a sua posição, como mulher, também, demanda isso. Mas a diversidade, de forma geral, contribui para melhores decisões. Por isso, acho que esse é o caminho. A resposta não é nem ser homem ou ser mulher ocupando determinados cargos, mas sim, hoje essa disparidade que a gente temcria um padrão na forma de tomar decisões que a gente vê que pode ser diferente.