Revista infantil fortalece senso crítico contra fake news

Como impactar as crianças com um jornalismo divertido e crítico? Como competir com o mundo dinâmico das redes sociais, dos games e das telas com informação de qualidade? Essas perguntas instigaram três mulheres a começar a empreender para responder a um dos maiores desafios da atual geração: criar conteúdo para ajudar no processo de educação das crianças do Ensino Fundamental I e plantar as primeiras sementinhas contra as fake news.


As jornalistas Fabrícia Peixoto e Maria Clara Cabral se juntaram à designer Cíntia Behr no fim de 2019 para lançar uma revista focada na faixa etária de 9 a 11 anos. A Qualé nasceu justamente para auxiliar as escolas a desenvolver competências previstas na Base Nacional Comum Curricular, como educação midiática, linguagem jornalística e interpretação de texto, além de ajudar em outras atividades multidisciplinares. Naquele momento, ninguém imaginou que uma pandemia iria colocar o mundo de cabeça para baixo e colocar em risco o ímpeto das três empreendedoras.


Mas, a pandemia serviu de lição e mostrou que jornalismo profissional é, cada vez mais, relevante no mundo de hoje. Conteúdo de qualidade é a melhor resposta contra a suposta atratividade das fake news e desinformações. 


A Abrig conversou com a Fabrícia, mestre pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com tese na área de fake news, que, como sua sócia, trabalhou nos maiores veículos de comunicação do país. 

ABRIG: Como surgiu a ideia de uma revista voltada para o público infantil?
FABRÍCIA PEIXOTO: Ser mãe influenciou bastante o surgimento da ideia. Tenho dois filhos pequenos, assim como minha sócia, e isso nos fazia questionar bastante o fato de nossos filhos terem muito contato com muitas informações que não eram verdade, passando muito tempo usando rede social e celulares. Assim, percebemos que precisávamos de uma resposta para essa situação, pois vimos que não tinham muitas publicações voltadas para criança, como era comum há 20 anos, com os suplementos infantis Folhinha, Estadinho e Globinho. Nós percebemos que as crianças estavam órfãs de materiais jornalísticos voltados para elas. E, por isso, a criança ficou realmente muito suscetível e dependente do conteúdo que chega pela internet e pelas telas. A partir dessa ideia, fizemos uma pesquisa de mercado, buscamos exemplos de publicações nos Estados Unidos, da Europa, para entender o que deu certo e deu errado. Logo, fizemos diversas pesquisas qualitativas com as mães e professores para chegar até o formato que é a Qualé.


ABRIG: Você citou o fato de a ideia ter surgido justamente dessa demanda como mãe assistindo os filhos interagirem com os diversos conteúdos do dia a dia. Nessa tarefa de empreender no jornalismo, vocês sentiram alguma dificuldade?
FABRÍCIA PEIXOTO: Nós sentimos as dificuldades que toda mulher empreendedora com filhos sente. Somos mais demandas do que os homens. Em casa, os filhos nos demandam mais, por mais que meu marido, que também é jornalista, me ajude bastante. E isso afeta no desempenho. A gente ainda vive num contexto em que os filhos demandam mais as mulheres. E, quando a mulher toma a iniciativa de iniciar um projeto novo, ela tem que se tornar multitarefa e atender igualmente o que a cerca. Não é uma tarefa simples.


ABRIG: A revista tem uma preocupação em contribuir com a educação das crianças contra fake news. Como é esse processo?
FABRÍCIA PEIXOTO: A Qualé tem um propósito claro de contribuir para as crianças e para as professoras com um material que fornece subsídios para se ter uma leitura critica da informação. Eu fiz mestrado na área que investigou fake news e, sempre me pergunto se as crianças estão protegidas contra o fenômeno da desinformação. Grande parte das iniciativas são voltadas para os adultos. E, havia uma sensação de que as crianças estavam blindadas quanto às fake news, o que não é verdade. Elas estão tão expostas quanto os adultos e tem menos filtros ou bagagem para saber o que faz sentido ou não. Então, nosso propósito de trabalho é que a criança saiba identificar ou começar a identificar o que é fonte confiável de informação, o que é fake news ou não. Buscamos sempre entrevistar pessoas qualificadas no tema, trazer fontes para as informações. E, até mesmo nas palestras que temos com os alunos, explicar como funciona o processo de investigação de notícias e informações. A Qualé é um projeto de jornalismo com fundo educacional muito forte. 


ABRIG: Uma política pública voltada para a educação é essencial para o desenvolvimento da geração de crianças do Fundamental I. Como você acha que a Qualé pode contribuir com esse movimento?
FABRÍCIA PEIXOTO: Além da preocupação para que a criança saiba quais informações são de qualidade e quais não, trabalhamos para oferecer outras ferramentas. Buscamos trazer conteúdo jornalístico que converse com o que as crianças veem nos livros pedagógicos. Acaba sendo um complemento: a gente traz noticia atual, como o caso Covid, que a professora pode linkar com o conteúdo pedagógico. E, isso acontece em todas as disciplinas, a gente traz tabela, infográfico, mapas, todos como ferramenta de política pública, pois trazer opções ao professor é fundamental.


ABRIG: Mas, atrair crianças para conteúdo é difícil. Como entra a parte gráfica para fisgar a atenção do aluno?
FABRÍCIA PEIXOTO: Nós sabíamos, ainda que intuitivamente, o quanto o visual é importante nessa faixa etária. Para a atração se concretizar, é necessário um texto adequado, mas não infantilizado e um visual atrativo. Então, a gente não quer que a revista se torne uma obrigação, uma lição de casa. A gente sonha com uma revista prazerosa, uma leitura bacana para os filhos, para os pais e para os irmãos mais velhos. 


ABRIG: Quais as dificuldades, hoje, em torno da consolidação da Qualé e quais os maiores ganhos que vocês já tiveram na revista?
FABRÍCIA PEIXOTO: A dificuldade principal é a pandemia. A gente trabalha com as escolas, um setor que foi muito impactado financeira e psicologicamente. A gente imaginou que teria contato constante com os professores para ter feedback, mas, a pandemia dificultou a relação. Mesmo assim, algumas coisas positivas aconteceram. A gente decidiu abrir o conteúdo da revista ainda em abril do ano passado para ampliar o alcance. Mandamos para todas as escolas de São Paulo. Fizemos doação para a prefeitura da capital e tivemos uma surpresa muito boa, que foram as professoras usando a Qualé nas aulas on-line. Isso foi gratificante pois os dois lados perceberam que a revista contribui para a aula nesse ambiente online, que pode ser tão áspero e difícil para os alunos.



*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig. 

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