A nova economia mundial, com Lucas Câmara

Entenda a 4ª Revolução Industrial a partir do C4IR, Centro criado pelo fundador do conceito e que no Brasil traz as possibilidades apresentadas por Lucas Câmara.

ABRIG: O que é a 4ª Revolução Industrial, ou Indústria 4.0?


LUCAS CÂMARA: Em 2016, o fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, escreveu o livro “A 4ª Revolução Industrial”. Esse livro trata exatamente do momento em que a gente está, com as tecnologias derrubando fronteiras, entre o mundo físico e o virtual. Isso está mudando não só o dia-a-dia das pessoas, os modelos de negócios das empresas, as atividades de governos, mas também quem nós somos com a tecnologia de edição genética por exemplo. Salientou-se a percepção de que as políticas públicas, especialmente das democracias liberais, demoram muito em fazer frente à velocidade dessas novas tecnologias.


Uma das características dessa 4ª Revolução Industrial é que, em pouquíssimo espaço de tempo, você tem a reinvenção de toda uma cadeia produtiva, de toda uma empresa considerada imbatível. As políticas públicas e as leis inadequadas, acabam atrasando os benefícios que essas tecnologias podem trazer à sociedade. Assim, o Fórum Econômico Mundial criou o Centro da 4ª Revolução Industrial para ajudar os países a melhorar suas leis e políticas públicas para que o uso dessas tecnologias possam beneficiar mais pessoas. São muitos países, não só o Brasil, mas Israel, Estados Unidos, Noruega, Japão, países avançados, mas que enxergam que podem acelerar a adoção em larga escala dessas tecnologias. Então, o C4IR foi criado em San Francisco, nos EUA, mas está presente aqui, na China, na Índia, no Japão, na Arábia Saudita, Emirados Árabes, em Ruanda, além dos países mencionados antes. Trata-se de uma rede com bastante alcance.


E como funciona o C4IR?


LUCAS CÂMARA: No Brasil, num formato inédito. Nos demais países é uma iniciativa governamental, mas aqui é uma parceria público/privada entre o governo federal, o governo de SP e patrocinadores da iniciativa privada, Abimed, Astrazeneca, Bracel, Eletrobras, Facebook e Qualcomm. Nosso formato de governança é altamente democrático; não é o governo que decide, como em outros países, quais os projetos que serão desenvolvidos. Nosso foco é promover a adoção dessas tecnologias por meio das políticas públicas, mas como a gente faz isso? Através de projetos bem práticos de implementação dessas tecnologias, onde vemos quais os obstáculos que a gente vai enfrentar. Por exemplo: nos EUA, a Amazon pediu autorização para fazer voos de drones em 2016, à agência de aviação civil deles (FAA). Demorou 8 meses e quando saiu, a tecnologia daquele drone já estava obsoleta e que os testes foram feitos em outro país no caso no Canadá.


Em tese o uso de um drone para entregar uma bolsa de sangue em local remoto, é fácil, mas envolve todo o processo de aviação civil; tem que saber por qual rota voar, se vai ser pilotado por um ser humano, ou se pode ser por robô… uma série de parâmetros. São estas discussões práticas que a implementação do projeto piloto se depara, vê quais os órgãos governamentais que, de alguma forma, estão demorando em criar segurança jurídica e, assim, obstaculizando o desenvolvimento da tecnologia.


Por fim, apresentamos ao governo de Ruanda um projeto de como ter uma política pública adequada àquela tecnologia, para uso em larga escala e que pode ser copiada por qualquer nação no mundo que queira o estado da arte nesse tipo de regulação. Temos, basicamente, dois formatos de participação: o governo ou a empresa pode ingressar como membro no Centro, ou do interessado em construir as soluções conosco para usar as tecnologias e desenvolver estes tipos de projetos. É assim que o C4IR trabalha.


ABRIG: Quais as áreas de atuação do Centro, no Brasil?


LUCAS CÂMARA: No Brasil, vamos trabalhar com 3 plataformas: Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, Internet das Coisas e Transformação Urbana e Política de Dados. Foram escolhidas através de ciclos de políticas públicas, que estão acontecendo no Brasil. Neste momento está sendo discutida no Ministério da Ciência e Tecnologia a estratégia nacional de Inteligência Artificial; acaba de entrar em vigor a lei da Proteção de Dados-LGPD e estamos discutindo a criação da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD); no âmbito do Ministério da Economia o Plano Nacional de Internet das Coisas. O C4IR percebeu a oportunidade de contribuir com o ciclo das políticas públicas do Brasil, nessas 3 plataformas específicas.


ABRIG: Entre as empresas já envolvidas, existe alguma “Smart Factory”?


LUCAS CÂMARA: Estamos trabalhando com projeto de adoção de “IOT” em pequenas e médias empresas. Fornecemos a rota, o “road map”, porque as pequenas e médias indústrias estão tentando sobreviver, mas quando elas pensam em tecnologia avançada, já pensam num robô top de linha. Então mostramos que, às vezes um dispositivo barato de 5 dólares, um “dashboard” com análise de dados, é um melhor começo nessa jornada; começa a reduzir parada de máquina, manutenção, a perceber se a temperatura sobe mais do que deveria e se isso vai acabar interrompendo a produção.


Com essa economia, a pequena e média indústria consegue caixa para investir em novas tecnologias, até chegar a ser uma indústria altamente automatizada e com muitos dados para uma melhor tomada de decisão. Essas empresas têm dificuldades em saber o que fazer e como fazer, ao mesmo tempo que têm medo do custo de consultorias. Então é fundamental apresentar as soluções da 4ª Revolução Industrial.


ABRIG: A Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE recomenda a evolução dos serviços dentro da indústria para aumentar sua competitividade. É esse o caminho?


LUCAS CÂMARA: São novos modelos de negócio. Tradicionalmente, a indústria produz no chão da fábrica, entrega a um varejista e este vende o produto. A 4ª Revolução Industrial permite que a indústria venda não apenas o produto, mas um serviço agregado: é a “servicização” da indústria. Ela começa a aumentar a margem. Um outro exemplo da 4ª Revolução Industrial no setor elétrico, por exemplo, pode ser a utilização da manutenção preditiva de um “smart grid”(sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica que utilizam recursos digitais e da Tecnologia da Informação) para ganho ou otimização. Esse é um dos ganhos que a Indústria 4.0 traz.


ABRIG: Você acredita que através deste processo de inovação, o Brasil pode vir a liderar essa nova governança?


LUCAS CÂMARA: Sim. Vejo o nosso sistema “S”. Ele é muito invejado fora daqui. Temos conversado com a Índia, Turquia e outros países e eles ficam bem impressionados com a capilaridade do nosso sistema “S”. Se o país aceitar as rotas propostas, acredito que o Brasil possa ter um programa de altíssimo impacto e altíssima transformação. O delta vai ser muito maior. É muito difícil para um país avançado ter o resultado que a gente vai ter. O que essas tecnologias podem trazer é aquilo que em inglês se chama de “leap frogging” que é um salto imenso. É como aquela pessoa que não possuía um telefone fixo e pulou direto para o celular. Então, a indústria já não precisa mais crescer passo-a-passo.


A 4ª Revolução Industrial nos permite dar um salto sobre duas, três tecnologias e passando a operar lá na frente. Agora, o que precisamos para dar esse salto? Precisamos de curadoria e de políticas públicas que ajudem a dar esse salto. O empresário está muito estrangulado. Se ele não tiver o apoio necessário, então vai ser difícil obter essa liderança. O Brasil tem chances de ombrear com os grandes do mundo nessas tecnologias, mas se não fizer nada vai ficar para trás.


ABRIG: E qual você vê ser o papel do profissional de RIG neste processo de mudança?


LUCAS CÂMARA: É encontrar quais são as bases de cooperação estruturais, não importando qual governo saia, se é do partido A, ou do partido B, mas sim quais as prioridades das instituições envolvidas e com eles construir as soluções. O grande trabalho do profissional de RIG é enxergar quais são esses pontos de sinergia e costurá-los no dia-a-dia junto com os “stakeholders”, públicos e privados. É montar a coalizão dos temas de seu interesse. É construir consenso, um grupo de apoiadores fundamental para qualquer processo de influência política, de mudança regulatória, qualquer que seja. É criar um núcleo de embaixadores que multipliquem esse apoio. É “treinar os treinadores”, para que não fique sempre sendo apenas você o responsável por levar aquela mensagem. Com isso você ganha um momento político mais forte, para fazer aquelas mudanças legislativas que precisa.



Lucas Câmara é diretor-executivo do Centro para a Quarta Revolução Industrial do Brasil (C4IR) afiliado ao World Economic Forum. É advogado e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Bristol (Inglaterra). 


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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