A privatização dos correios, com Guilherme Henriques

Advogado, foi para Brasilia trabalhar na Brasil Telecom e participou do processo que culminou com a venda para a Oi, depois BomBril onde participou da equipe de recuperação da empresa. Foi para os Correios em 2016 no início do governo Temer e auxiliou no “turnaround” de 9 anos de prejuízo da companhia, para uma condição de lucro em 18 meses. Hoje, na Alvarez & Marsal. 

ABRIG: A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos vinha do pior período em sua vida, com prejuízos sucessivos. Você participou do time que levou os Correios a dar lucro novamente. A informação surge no momento em que se fala de privatização da estatal. Há motivos para desconfiança?

HENRIQUES: Existe um discurso do corpo da companhia, no sentido de defender a capacidade, a eficiência e a performance da empresa, como argumento para a não privatização. Um resultado positivo neste momento, é favorável a este discurso e será utilizado por aqueles que não são favoráveis à privatização. Por outro lado, na minha opinião, na verdade, isso é mais um aspecto positivo para a privatização, afinal, sendo uma empresa que está gerando resultado, lucro, consequentemente terá mais atratividade aos investidores.


ABRIG: Conhecendo tão bem a estrutura dos Correios, você acha viável o fatiamento da empresa e uma privatização em partes?

HENRIQUES: Sem dúvida alguma o Correios é “fatiável”, pois tem claramente duas grandes áreas: a postal e a de encomendas. Fatiar a companhia, torna muito mais atraente a parte de encomendas e muito menos atraente a área postal. Os Correios, a partir do tráfego dos produtos do “e-Commerce” pode ser a maior e melhor plataforma para o serviço no Brasil e, porque não, na América Latina. Portanto, separar a empresa é muito bom para quem compra (a parte de encomendas), mas é igualmente ruim para quem vende.


ABRIG: E uma eventual abertura de capital, pode ser positiva?

HENRIQUES: Se você pretende trazer o investidor, abrir o capital da empresa pode monetizar até mais do que se conseguiria com uma privatização plena. Pode gerar até mais dinheiro para o Estado, que uma privatização total.


ABRIG: E como resolver o problema do passivo dos Correios?

HENRIQUES: Os passivos terão de ser endereçados como ônus aos participantes. Não há milagre, são débitos que terão de ser negociados pelos novos participantes numa eventual privatização da companhia. É um peso muito grande que vai tirar alguns zeros do cheque do investidor. Apesar desses problemas, o governo falou recentemente num “valuation” de 15 Bilhões de Reais pela companhia. Essa é uma conta complexa que passa por ativos e passivos para se chegar nela e precisa ser validada por especialistas.


Em caso de abertura do capital ao mercado, você recomendaria a compra destas ações? HENRIQUES: Com certeza. Uma empresa do tamanho dos Correios, na mão de um investidor privado, levando em consideração que pode vir a ser a maior e melhor plataforma para o “e-Commerce” do Brasil, não tenho dúvida alguma que as ações vão valorizar quando colocadas no mercado. Se fossem colocadas no mercado hoje, acho que seriam “Blue Chips”.


A primeira curva, ou “ramp up” de colocação dela seria absurda. Estamos falando de uma indústria instalada nos 5.570 municípios do Brasil, é o sonho das concorrentes em logística, Mercado Livre e Amazon, por exemplo, imagine ter essa presença instalada e só precisar colocar inteligência e tecnologia.


ABRIG: Quais seriam as vantagens para o usuário, na privatização?

HENRIQUES: Com muita clareza: o investidor que colocar dinheiro e tecnologia na capilaridade da etapa aérea e colocar eficiência na primeira e na última milha vai tirar o serviço do conceito “DIA” e vai colocar no conceito “HORA”. A tendência dos tempos atuais é fazer entrega no conceito “same day delivery” (dentro do mesmo dia), 24h/7dias.


O Brasil circula 2 milhões de objetos/dia, dos quais 60% trafegam pelos Correios, ou seja: 1,2 milhão de objetos/dia. A China, que também é um país continental, trafega 180 milhões de objetos/dia. Não digo que vamos passar de 2 milhões para 180 milhões, mas a gente pode duplicar, triplicar, quadruplicar. Com eficiência, com investimento, a companhia dobra, triplica isso com muita rapidez. O faturamento anual da companhia hoje gira em torno dos R$ 18 Bilhões, praticamente metade em cada setor (encomendas e postal).


Em se abrindo o capital e trazendo o investimento para dentro da empresa, pode-se dobrar o faturamento das encomendas já no primeiro ano, saindo dos 9 bilhões atuais para 18 bilhões. Só com a demanda represada e com investimentos, a empresa receberia, em parceria com a iniciativa privada, em dividendos, mais do que recebe hoje atuando com subsídio do monopólio (exclusividade). Ou seja: se no primeiro momento a empresa abrir o capital, captar investimentos e usar no setor de encomendas, num segundo momento o dono (o Brasil) poderá vender sua parte no negócio por um volume econômico bem melhor. Com essa eficiência, ganha o usuário que será melhor atendido e mais rápido, ganha o Brasil ao oferecer uma plataforma eficiente ao e-commerce e atrair ainda mais empresas para vender seus produtos e ganha o Governo (acionista controlador), monetizando ainda mais com a venda da empresa.


ABRIG: Como seria um passo-a-passo desse processo de privatização?

HENRIQUES: Tive a oportunidade de apresentar uma visão ao BNDES e ao Ministério da Economia em reuniões preliminares de discussão de modelos e fiquei com a impressão de que eles também concordam em fazer essa privatização por passos. Sustento que o melhor caminho para desestatizar os Correios é em duas ondas. Uma primeira onda em que se monetiza e coloca os investimentos na área de encomendas e uma segunda onda onde se vende o negócio como um todo. Isso é mais inteligente para que se faça um negócio melhor.


Hoje, a companhia tem dificuldades conhecidas, ela tem prejuízo acumulado, passivos e ineficiências. É possível melhorar esse resultado financeiro e operacional da empresa, com duas ondas e, assim, obter um ‘’valuation’’ muito melhor. Seria lógico ainda que ela se torne a Empresa Brasileira de Correio e Logística, primeiro praticamente não se usa mais telégrafo, segundo porque se ela já podia ser considerada uma empresa de logística da comunicação, hoje é propriamente uma empresa de logística de objetos.


O desafio de se modernizar passa, a meu ver, por pensar em 3 setores: os já citados, postal e encomendas, além do digital. Eu chamaria de um processo de “digital transformation”. Precisa ser digital e oferecer digital. É ter uma operação digital com inteligência artificial. Precisa ser tão fácil usar o serviço de forma digital, quanto já acontece na concorrência estabelecida. É o Correios presente sem ser necessário estar fisicamente presente.


Por fim, como eu trabalhei 25 meses na companhia, eu gostaria de ressaltar que se trata de uma empresa com quase 100 mil colaboradores. A companhia funciona com pessoas. Pessoas de valor. Isso eu queria registrar; o que eles fazem, como eles fazem, é um trabalho que tem de ser reconhecido. Não esquecendo que se essa empresa tem um valor, este grande valor é sua marca. O fato de defender que ela seja privatizada, não quer dizer que ela não tenha valor.


Guilherme Henriques possui 25 anos de experiência profissional, atuando na direção de empresas de grande porte. Atualmente, lidera prática em consultoria internacional de gestão empresarial.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


compartilhe

navegação de notícias

notícias recentes

Tags

melhores escolhas dos leitores

categorias

notícias mais populares

siga-nos