Por um novo Sistema Tributário

Para a consultora econômica Zeina Latif, a neutralidade é um dos principais pilares para o texto da reforma tributária a ser debatido e, eventualmente, aprovado pelo Congresso. Além da complexidade e de inúmeras distorções, nosso sistema tributário é confuso e injusto.

Leia, a seguir, a entrevista concedida à Abrig, em que a doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) fala sobre os desafios da mulher no mercado de trabalho, a retomada econômica póspandemia e a urgência de uma reforma tributária.

ABRIG: Em sua trajetória profissional, você teve problemas por ser mulher?


ZEINA LATIF: A minha geração é aquela de arregaçar as mangas e fazer o trabalho. Eu percebi, ao longo da minha carreira, que tinha de me esforçar mais. Passei por situações inaceitáveis, mas, na verdade, o mais difícil não é o comentário que não deveria ter ouvido, mas a coisa velada. O mercado financeiro é dominado por homens, que têm seus códigos, suas relações e, a mulher, tem um olhar mais amplo para vários temas. Nós somos diferentes. E, no geral, todos temos dificuldade com aquilo que é diferente. Houve momentos de machismo? Sim. Isso me intimidou? Não.


ABRIG: As mulheres tiveram um bom desempenho diante da pandemia no mundo, como na Nova Zelândia. Ao que você atribui esse bom resultado entre elas?


ZEINA LATIF: Acredito que seja a capacidade da mulher em olhar os vários aspectos envolvidos ao se defrontar com um problema. Nesses problemas complexos, acredito que temos vantagens. Quando você tem uma crise como essa, é interessante ter elementos no time que consigam olhar o todo, com capacidade de interconectar vários temas. Esse é um atributo muito feminino.


ABRIG: Desde a última eleição, temos visto uma forte defesa por uma menor interferência do estado na economia. No entanto, a pandemia mostrou que alguma interferência do estado é importante. Qual deve ser o papel do estado na recuperação pós-pandemia?


ZEINA LATIF: Não dá para querer que as forças de mercado deem conta de tudo em momentos de crise como essa. Realmente, situações mais extremas como essa geram sinais tradicionais do funcionamento de que o mercado não é suficiente para lidar com a crise, tem de haver intervenção estatal. Para o estado funcionar quando precisa, ele tem que estar com a casa em ordem. É importante não perder de vista o fato de precisar de intervenção estatal, não é cheque em branco, deve haver o mínimo de racionalidade econômica.

 

ABRIG: Você acredita em uma retomada econômica acelerada no pós-pandemia?


ZEINA LATIF: Não. Primeiro, estamos falando de um quadro que não é simplesmente “desligou a economia da tomada e agora a gente liga” e tudo volta a funcionar. Temos uma mão de obra ainda mais despreparada para o avanço tecnológico. Segundo, calibramos mal as políticas realizadas e isso se soma à dificuldade do governo no ajuste das contas públicas. Temos uma piora relevante do ambiente macroeconômico. Por esses dois fatores, principalmente por causa das contas públicas, atrapalha.


ABRIG: Atualmente, temos, na Câmara, uma PEC que cria um imposto único e outra no Senado, de modelo semelhante, que propõe a junção de nove impostos. Na sua visão, o que não pode faltar na Reforma Tributária?


ZEINA LATIF: Quando pensamos nos princípios básicos de um sistema tributário, nem sempre é possível atender todo mundo de forma satisfatória. Temos de buscar um equilíbrio.


Onde temos mais distorções são nos impostos sobre consumo. É ali que está o maior nó, sendo que o ICMS é um imposto caduco. Está correto, por esse diagnóstico, começar pela criação do IVA. Dentro dos princípios do sistema tributário, eu diria que o mais importante é a neutralidade.


Além da reforma tributária, quais seriam as outras grandes mudanças que precisamos para o país? Hoje, infelizmente, temos que cuidar do fiscal. São reformas que permitirão, rapidamente, corrigir esses rombos orçamentários e estabilizar a dívida pública. Essa agenda fiscal é essencial para recuperarmos o ambiente macroeconômico mais estável.



Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora econômica. Trabalhou na XP Investimentos, Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC.



*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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