"2022: um olho nos números e outro nas pessoas"

Na área da estatística, há um ditado muito difundido e cunhado por um norte-americano que diz o seguinte: “Em Deus nós confiamos, todos os outros devem trazer dados”. A perspicácia da frase fez com que ela logo fosse estendida para aplicação em diversas outras áreas do conhecimento, como engenharia da produção, administração empresarial, e, claro, ciência política.

A política é uma atividade humana e a ciência política, por conseguinte, é uma ciência humana. Não é por isso, entretanto, que devemos deixar de olhar para os dados. Muito pelo contrário. Caso um analista queira explicar as eleições de 2022, será quase impossível o fazer sem acompanhar e entender os números. Afinal, o próprio resultado de uma eleição é um dado: percentual de votos válidos.


Os números retratam momentos. Colocados em perspectiva ao longo do tempo, contam histórias. É o que se chama de “série temporal”, no jargão técnico. A história política brasileira mais recente pode ser contada, por exemplo, com a série temporal de uma pergunta praticamente obrigatória em pesquisas: “Se houver segundo turno na eleição para presidente e os candidatos forem Lula e Bolsonaro, em qual dos dois o(a) Sr(a) votaria?”. Essa pergunta, feita em dezembro de 2019, nos dava uma resposta. Em janeiro de 2022, nos dá outra. Acompanhar a evolução dela é primordial, apenas para dar um exemplo de tantos.


Só os dados brutos, entretanto, não bastam. A política é humana e humanos são voláteis, errantes. Quase sempre racionais, mas às vezes não. Como cientistas políticos, precisamos entender (e explicar) o que está por trás dos números. Para isso, a apuração qualitativa é fundamental. A percepção qualitativa faz com que possamos dar vida a essas histórias. Por trás da aprovação ruim de um determinado governo, a história de alguém que esperava por um emprego e se decepcionou. Ou, então, a história de um jovem que queria oportunidades na educação e não viu nada sendo feito para si.


Olhando para esses dois mundos, do quantitativo e do qualitativo, nos fazemos a pergunta: quais são as principais pautas que deverão nortear o debate político em 2022? O dado mais caro à população, atualmente, diz respeito à economia. Mais de 60% dos brasileiros, variando na margem de instituto para instituto, dizem que a economia está no caminho errado faz algum tempo. Temas como emprego, fome e desigualdade aparecem no topo das prioridades da população. A preocupação com o coronavírus, que outrora já foi protagonista, hoje apresenta números mais tímidos. Em março de 2021, cerca de 55% da população respondia que tinha muito medo do coronavírus. Hoje, em meio ao surto da ômicron, esse número é de 34%, segundo o Ipespe.


Nos apoiando no qualitativo, isso pode significar que será mandatório que os candidatos abordem e cativem a população sobre sua capacidade de resolver a miséria, a fome, a desigualdade e o desemprego, ao passo que os números da saúde não nos permitem dizer que ela não será importante. Com 34% da população ainda respondendo que tem “muito medo do coronavírus” e a incerteza das variantes até outubro, certamente os bons gestores da pandemia poderão capitalizar isso de alguma forma. Por outro lado, temas que foram muito importantes em 2018, como corrupção e renovação política, tendem a murchar, a menos que algum acontecimento político até outubro mude o cenário ou que algum candidato consiga emplacar esse tema.


2022 será um ano de muitas pesquisas. Será essencial para o bom analista ler todas com atenção, colocá- las em confronto, compará-las e entender suas diferenças metodológicas. Só assim será justo almejar um entendimento do processo eleitoral. Porém, para almejar um entendimento completo – utopia –, há que se ter um olhar para o lado da oferta. Se o eleitorado é a demanda, os políticos são a oferta. As alianças políticas deverão dar pistas dos caminhos tomados por esses ofertantes.


As ferramentas estão dadas: são as federações partidárias, em detrimento das coligações proporcionais de antes, e a negociação das chapas presidenciais. Pelo lado de Bolsonaro, a tríade PL, Progressistas e Republicanos parece relativamente bem estabelecida. Com Lula, a aliança com PSB e outros partidos de esquerda também parece estável, com flertes ao PSD e a alas do MDB. Para a escolha do vice de ambos, uma equação não tão simples: alguém que amplie o eleitorado, seja por questões políticas ou regionais, sem que se perca a base eleitoral – ideológica ou não – já conquistada até aqui. Do lado da terceira via, o “cada um por si” ainda fala mais alto. A surpresa poderia vir do recuo de um dos três candidatos mais competitivos até aqui: Moro, Ciro ou Doria – mas seria uma enorme surpresa mesmo, já que nada indica que isso acontecerá. E ainda que aconteça, será um trabalho hercúleo ter um desempenho semelhante ao de Marina Silva em 2014, quando, mesmo com um ótimo desempenho, sequer chegou ao segundo turno.


Por fim, essas alianças podem dar pistas para entendermos algo que será fundamental em 2023: a formação de governo, seja ele qual for, e a viabilidade da execução das políticas públicas propostas durante a campanha eleitoral. Para isso, será preciso diálogo amplo do Executivo com o Congresso Nacional. O objetivo? Atingir uma abrangente maioria para aprovar projetos importantes na Câmara e no Senado. Para ter chance de sucesso na proposição de PECs, o ocupante do Palácio do Planalto precisará fazer contas para ter consigo pelo menos 49 senadores e 308 deputados. O presidente não é Deus, afinal. Também precisa trazer os dados.


Rafael Favetti, sócio da Favetti Sociedade de Advogados

Bernardo Livramento, analista político da Favetti Sociedade de Advogados


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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