Jacqueline é uma líder e comunicadora nata. A trajetória política começou como líder comunitária em Cariacica (ES), município de 380 mil habitantes localizado na região metropolitana de Vitória, onde foi vereadora entre 2013 e 2016. Em 2018, foi convidada a ser candidata, como vice-governadora, ao governo do Estado do Espírito Santo na chapa “Espírito Santo mais igual”, com Renato Casagrande (PSB). É a primeira mulher e a primeira pessoa negra a ocupar o cargo na chefia do Estado.
ABRIG: Antes de ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Cariacica, você vinha muito a Brasília buscar recursos para as associações que liderava (de Vendedores Ambulantes do Estado do Espírito Santo e dos Moradores do Bairro Operário). Como foi essa transição?
JACQUELINE MORAES: Eu entendi que era uma liderança quando chegou uma equipe de jornalistas na feira de vendedores ambulantes. Eles procuravam alguém pra falar e um colega disse: fala com a Jacqueline! Eu falei e comecei a ser uma referência ali no grupo. Fui entendendo que eu podia ir lá na Prefeitura ou na Câmara de Vereadores e levar uma demanda da associação, porque aprendi que política se faz no dia-a-dia. Daí, o caminho para a candidatura como vereadora foi quase natural.
ABRIG: E o convite para ser candidata à vice-governadora, foi natural também?
JACQUELINE MORAES: Ah, foi um susto. Eu tinha decidido construir uma candidatura à deputada federal. Abri mão de uma reeleição porque eu tinha a estratégia de ser candidata à prefeitura da minha cidade. Quando recebi o convite para ser candidata à vice-governadora, fiquei sem voz. Porque eu iria realmente entrar para história. E entrar para história não é fácil, principalmente para uma mulher de origem simples como eu.
ABRIG: Qual foi o ponto fundamental pra você ter essa oportunidade de entrar pra história pela política?
JACQUELINE MORAES: Entendi que, para chegar à posição que eu queria, precisava ocupar espaços no meu partido, o PSB. A estrutura dos partidos é muito masculina. Eu entendi que todos os sentimentos cabem no exercício da política pública, mas na política partidária é preciso estratégia, racionalidade. A política precisa ser mais estratégica para as mulheres. Então, eu comecei a observar a maneira como eles agiam. E fui aprendendo. Fiz diversos cursos de formação, ficava a semana toda em Brasília. Comecei a conhecer as pessoas e a construir uma candidatura para deputada federal. Fui ocupando os espaços e trazendo mais mulheres comigo.
ABRIG: Qual ação na estrutura partidária foi mais importante?
JACQUELINE MORAES: A campanha #Nãosejalaranja foi muito importante. Continua sendo. É um convite, um alerta para que as mulheres não sejam usadas pelos partidos e para que ocupem de fato os espaços. Hoje, inclusive, temos no governo do Estado do ES uma ação multipartidária que chama “Mais mulheres na política capixaba”. Temos cursos e debates para que elas ocupem os espaços nos diretórios. Seja em conselhos, diretorias, grupos de trabalho. E não só naqueles que são destinados às mulheres, mas em todos, de todos os assuntos. Assim vamos ter mais lideranças femininas. Sem os partidos, não tem jeito.
ABRIG: Você consegue perceber o efeito da representatividade feminina através da sua presença e das suas ações?
JACQUELINE MORAES: Sim, muito! Primeiro, foi preciso entender que nós não jogamos o jogo igual a eles. Eles estão lá no ambiente da política há muito mais tempo conhecem uns aos outros, entendem todas as regras. Então, chegando aqui na vicegovernadoria, eu sei que preciso delimitar os espaços e proteger as mulheres. Eu observo as profissionais da área técnica, por exemplo, e sei quando um chefe está escondendo o trabalho delas e se beneficiando. Aí, eu as cito numa reunião, destaco o que elas estão fazendo. Isso bate nelas de uma forma tão linda e eu vejo que elas ganham força, passam a acreditar mais em si. Percebem que tem alguém que as apoia, que as vê na estrutura. Porque as mulheres não são ouvidas no ambiente político. O jogo é muito desigual. Então, eu tenho comprado algumas brigas. E muitas delas me atingem. Aí, eu marco meu espaço, uso a técnica do autocontrole pela respiração. E, às vezes, depois, eu vou chorar lá no banheiro. E isso faz parte, estou aprendendo. E acho que está dando certo.
ABRIG: A bancada feminina da Câmara dos Deputados publicou nota de repúdio sobre postagem do deputado Eduardo Bolsonaro que se refere de maneira pejorativa às parlamentares que integram a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Você entende que os limites estão ficando mais claros?
JACQUELINE MORAES: Olha, eu me posiciono sempre sobre o que acontece com as mulheres que atuam na política. Agora, você me fala sobre essa nota da bancada feminina e eu já quero fazer uma manifestação também. Precisamos deixar claro o que não é mais aceitável. Nós não aceitamos agressão nesse lugar em que estamos trabalhando, em que temos o direito de estar. Esses dias me posicionei depois de uma vereadora de uma cidade daqui do Espírito Santo ter sido questionada por causa da blusa que ela usava na sessão. Que é isso, gente? A roupa da vereadora ser assunto para alguém falar? Chega disso! Ninguém fala das roupas dos homens, mas as das mulheres sempre são assunto. Eu já fui muito questionada também porque chegava em um evento de calça jeans e tênis. Mas essa sou eu. E também é uma bandeira minha retirar a carga pesada do “padrão” da mulher. É cabelo pintado e arrumado, é maquiagem, roupa, unhas feitas, é muita coisa para pensar e cuidar. Precisamos diminuir a nossa carga no que for possível para equilibrar um pouco o jogo.
ABRIG: Como a pandemia afetou a ação com as mulheres?
JACQUELINE MORAES: Afetou demais! Tudo que falamos ou fazemos hoje é afetado pela pandemia. Aqui no ES, temos muitas mulheres que são presidentes de sindicatos rurais, que atuam com artesanato, e elas foram levadas novamente para dentro das suas casas com a pandemia. Nós seguimos trabalhando, mas, o efeito é grande. Porque a política é emocional, o voto é emocional. É difícil transferir tudo isso para o virtual. Mas, acreditamos e estamos trabalhando muito para que mais mulheres alcancem espaços de liderança no nosso estado. As pessoas estão passando por muitas dificuldades. Pensando nisso, lançamos uma grande ação solidária coletiva, envolvendo as empresas e as organizações. A mobilização tem sido muito boa.
ABRIG: O combate à violência contra as mulheres é uma pauta transversal. Como são as ações do estado?
JACQUELINE MORAES: Nossa principal frente de ação hoje é justamente no combate à violência contra as mulheres. Às vezes parece que estamos enxugando gelo, mas trabalhamos para mudar essa realidade. Temos um ótimo programa de atendimento para homens que cometeram alguma violência contra mulheres. É uma construção de ressignificação. Mais de 95% deles mudam de atitude depois do curso. Mas, queremos agir antes que elas aconteçam pela primeira vez. Então, estamos trabalhando nas escolas, porque entendemos que precisamos mudar as coisas pequenas. Mudar a cultura e trabalhar pela educação e, já temos histórias de filhas que conversaram com suas mães e disseram que aquilo que elas sofriam todos os dias também era violência e que elas não podiam continuar aceitando. Quando esses pais e maridos entendem que podem aprender um novo tipo de comportamento que também será positivo para eles, e temos meninos educados para uma nova postura, aí sim estamos mudando a realidade.
Entrevista com Jacqueline Moraes, vice-governadora do Espírito Santo.