O Banco Interamericano de Desenvolvimento realizou pesquisa inédita no Brasil sobre a adaptação ao ambiente on-line. Da solicitação de segunda via de documentos via celular, até as conversas via Whatsapp, as atividades mediadas pela internet ganharam espaço durante a pandemia, e os brasileiros – 86% deles – já se sentem adaptados ao mundo digital. É o que revela a pesquisa “Satisfação dos cidadãos com serviços públicos digitais”, realizada pelo BID, em parceria com o Instituto Ideia.
Realizada entre outubro e dezembro de 2020, com 13.250 entrevistados, a pesquisa, maior do gênero já feita na América Latina e Caribe, teve como objetivo identificar o grau de adaptação e as lacunas existentes entre os brasileiros e os serviços públicos e privados oferecidos de maneira virtual.
Em entrevista exclusiva, o especialista em Gestão Pública do BID, Mariano Lafuente, fala sobre as oportunidades de o Brasil adotar um modelo de serviço digital que diminui a burocracia e agiliza a vida do cidadão. Leia abaixo:
ABRIG: A pesquisa demonstra que a maioria (86%) dos brasileiros se sente adaptada ao mundo digital, o senhor acredita que o país esteja preparado para esse boom de atividades mediadas pela internet decorrente da pandemia?
MARIANO LAFUENTE: Com certeza. Do lado da demanda, a população brasileira está preparada para receber serviços digitais. A pesquisa mostra que o brasileiro está bem conectado (95% reportou acessar internet pelo celular) e adaptado. Claro, ainda existe uma brecha digital em segmentos específicos da população, como pessoas maiores de 60 anos (14% disse não ter conseguido se adaptar), somente com ensino fundamental (12%) e com renda de até dois salários mínimos (8%).
ABRIG: E do lado da oferta dos serviços digitais, como está o avanço no setor público?
MARIANO LAFUENTE: O governo federal, por exemplo, tem avançado muito nessa agenda. Nos últimos dois anos, digitalizou mais de 1.200 serviços, com um alto nível de conhecimento da população, altos níveis de satisfação e economia de mais de R$ 2 bilhões para a sociedade e para o governo. Os governos estaduais estão trabalhando, também, na mesma linha, com bons avanços. Os governos municipais, com algumas exceções, estão em uma etapa prévia, mas percebemos muito apetite para avançar nesta agenda no contexto de novas administrações, que começaram em 2021.
ABRIG: Em quais tipos de serviços digitais, na sua opinião, o governo brasileiro tem mais oportunidades para explorar?
MARIANO LAFUENTE: A pesquisa revelou que os serviços digitais, através do celular, são muito mais relevantes que os feitos através do computador, devido a um maior acesso e uso por parte dos cidadãos. E, mais especificamente, a taxa de penetração do aplicativo Whatsapp de 97% entre quem possui celular, faz com que, provavelmente, este seja um dos canais mais efetivos para a entrega de serviços digitais nesse momento.
ABRIG: De acordo com dados de outras pesquisas realizadas pelo BID, uma transação digital custa 5% de uma operação equivalente presencial. Quanto o governo brasileiro economizaria ao migrar os serviços públicos presenciais para a esfera digital?
MARIANO LAFUENTE: O setor público brasileiro como um todo, incluindo as três esferas de governo e os três poderes, poderia economizar enormes quantidades de recursos do orçamento público, mas, especialmente, dos recursos da sociedade, através de oferecer mais e melhores serviços digitais. Os serviços presenciais devem continuar existindo, pelas brechas que falamos previamente e por existirem outros serviços mais difíceis de digitalizar. Mas, a digitalização reduz o tempo médio dos serviços públicos de 5,4 horas e 2 visitas presenciais para 30 minutos sem deslocamentos, poupando o tempo dos cidadãos e das empresas. A maior automação dos processos internos também gera a oportunidade de economias no governo, e permite treinar e alocar os servidores públicos em tarefas de maior valor (e motivação) para os cidadãos.
ABRIG: Entre as três esferas de governo, a municipal é a segunda com o maior número de insatisfação e também a que os cidadãos mais desconhecem os serviços públicos digitais. A que os municípios devem estar atentos para mudar isso?
MARIANO LAFUENTE: A esfera municipal é, sem dúvidas, onde existem maiores oportunidades de aprimoramento dos serviços digitais. Mesmo que a satisfação com os serviços digitais municipais (54%) seja mais de quatro vezes superior ao nível de insatisfação entre aqueles que conhecem os serviços (13%), o fato de que quase uma a cada duas pessoas (44%) não conhece os serviços digitais do município onde vivem, revela uma oportunidade para trabalhar mais nesse tema. O Governo Federal, recentemente, com apoio do BID e outros parceiros, publicou um guia de 10 passos para a transformação digital dos municípios, ferramenta muito boa e concreta. A adesão dos municípios à Rede Gov.Br, liderada pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, também é um recurso importante que pode ajudar a promover a aceleração da transformação digital nessa esfera de governo.
Mariano Lafuente é especialista em Modernização do Estado no BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento.