Na semana passada, pesquisadores da Universidade de Surrey, no Reino Unido, conseguiram registrar uma patente em nome de uma Inteligência Artificial chamada de DABUS. Esse fato coloca em evidência a urgente necessidade de repensarmos as leis e marcos regulatórios que temos. Todas as legislações e regulamentos do mundo assumiram como premissa, óbvia, que existia apenas uma classe de entes inteligentes no planeta, no caso a raça humana. Com o crescimento da sofisticação dos sistemas com Inteligência Artificial, essa premissa pode deixar de ser verdadeira e exigir uma atualização das nossas normas e leis.
O mundo todo está discutindo as questões éticas e legais da Inteligência Artificial. O dilema que se coloca para os legisladores é estabelecer normas gerais o suficiente para não impedir novas aplicações, possivelmente revolucionárias e, ao mesmo tempo, proteger a vida e definir responsabilidades para os resultados do uso de sistemas inteligentes.
Se a legislação for muito restritiva, podemos inibir o desenvolvimento de soluções que venham trazer reais benefícios para a sociedade. Por outro lado, uma legislação muito fraca, ou inexistente, permitirá que sistemas inteligentes cometam crimes sem que se possa atribuir a culpa a alguém, ou alguma coisa.
Imagine se um carro andando em modo autônomo provocar um acidente com vítimas. Quem deve ser responsabilizado: O motorista, que estava no carro e não fez nada para evitar o acidente? O fabricante que produziu o carro com um software que não previu a situação do acidente? O programador que desenvolveu o software? O analista que treinou a rede neural usada no sistema? O próprio software? Vejam que esse é um caso extremo, mas que em breve deverá ser um tanto comum.
A OCDE elaborou "Recommendation of the Council on Artificial Intelligence", para que seus membros implementem seu conteúdo visando dar confiança a todos os interessados no tema, sejam usuários, desenvolvedores e fabricantes.
Neste documento, são apresentadas diretrizes, ou princípios, para a criação de padrões internacionais que garantam que os sistemas inteligentes sejam robustos, seguros, justos e confiáveis. Com isso, os benefícios advindos dessa nova tecnologia poderão beneficiar toda a sociedade.
Os esforços no Brasil para regulamentar a IA contam com uma consulta pública aberta do MCTI, com o PL 21/2020, de autoria do Dep. ngelo Bismarck e relatoria da Dep. Luisa Canziani, e o PL 872/2021, do Senado. Veneziano Rêgo e relatoria do Sem. Eduardo Gomes. Essas iniciativas citam as mesmas diretrizes da OCDE, como forma de incluir o Brasil nos mesmos padrões adotados pelo outros países.
Os princípios definidos pela OCDE são:
1. Crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e bem-estar: ou seja, que os benefícios do desenvolvimento de IA devem ser voltados para as pessoas humanas e o planeta.
2. Valores centrados no ser humano e equidade: princípio relativo aos direitos fundamentais e humanos, valores democráticos, Estado de Direito e diversidade.
3. Transparência e rastreabilidade: transparência refere-se à disponibilização de dados que permitam aos usuários entenderem quando estão tratando com sistemas de IA e não com seres humanos. Já a rastreabilidade, destina-se a mitigar o risco de tornar difícil, ou até impossível, a auditoria do processo de tomada de decisão (previsão ou recomendação) feita pelo sistema inteligente.
4. Robustez, segurança e proteção: princípio para assegurar que o sistema inteligente irá operar em toda sua vida útil de forma segura e permitindo a investigação do conjunto de dados usado no treinamento e na utilização do sistema.
5. "Accountability": princípio de responsabilização dos atores engajados no desenvolvimento de sistemas de IA.
Com base nesses princípios, deve-se exercer a supervisão e/ou intervenção humana, sempre que necessário, como o desligamento durante o funcionamento e restrição das capacidades operacionais em determinadas circunstâncias, de forma a garantir a segurança dos indivíduos e da sociedade.
Naturalmente, os sistemas inteligentes deverão submeter-se a todas as legislações de proteção de dados pessoais e de privacidade a que todos nós estamos sujeitos.
A cada dia, encontramos mais uma novidade usando IA. Devemos incentivar a criação de novos produtos e serviços inteligentes e fazer com que esses avanços tragam reais benefícios para a sociedade sem riscos para os seres humanos.
Paulo R. Foina - Presidente da Associação Brasileira de Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação - ABIPTI