O sistema político tem a faceta de administrar incertezas, gerando previsibilidades comportamentais que possibilitem ações racionais planejadas. Para alcançar determinados fins, conta-se com determinados meios e obedecem-se a regras pré-estabelecidas. A democracia representativa, como uma das possibilidades de sistema político, lida com esse aspecto de redução e gestão das incertezas. Nesse cenário, os cidadãos não sabem exatamente o que o governo está fazendo (a ação governamental em sociedades modernas tornou-se extremamente complexa). O custo de se obter a informação necessária é muito elevado.
Por implicação, aqueles que conseguirem mobilizar a informação de forma mais eficiente serão melhores persuasores, e, assim, podem ser politicamente mais importantes do que outros. O governo não pode ignorar esse fato. Abre-se aqui, no seio da própria teoria democrática, particularmente no trabalho de autores que olharam para a democracia com uma abordagem econômica – Schumpeter, Downs, Dahl –, em que se insere a atividade de relações governamentais. Podemos destacar que a principal característica do profissional de relação governamental é a de ser um exímio operador informacional, tornando-se um ator distinto na interface entre governo e sociedade civil.
Essa distinção traz consigo responsabilidades, sobretudo, diante da possibilidade de choque entre a atividade e outros princípios da democracia, como a transparência e a impessoalidade do decisor público. A decisão democrática supostamente observa, via constituição de maiorias nas casas legislativas, o bem comum. A atividade de relações governamentais tem na sua essência a perspectiva de realçar um determinado interesse particular, buscando inseri-lo no processo decisório coletivo. Desse aparente antagonismo entre interesse particular e bem comum, surge a necessidade de se ter uma regulamentação para a atividade, que possibilite mecanismos de controle e acompanhamento.
Pesquisas recentes indicam que no Parlamento há uma ampla maioria favorável a que seja aprovada uma regulamentação do lobby. Entretanto, o assunto ainda não logrou alcançar sua deliberação, embora muitas vezes tenha chegado a ser pautado. Quais são os desafios a vencer? Outra pesquisa, realizada no âmbito do Mestrado em Poder Legislativo oferecido pela própria Câmara dos Deputados, aponta algumas possibilidades de compreensão.
Sondagem feita entre os profissionais de relações governamentais aponta para um consenso quanto à necessidade de regulamentação da atividade. Todavia, quando perguntados sobre itens específicos que deveriam constar na regulamentação – por exemplo, necessidade de cadastro dos profissionais, necessidade de divulgação da agenda, etc. – os profissionais, em sua maioria, indicam serem os itens desnecessários. Ou seja, a impressão que fica é: deseja-se uma regulamentação como “chancela” da atividade, mas não se quer que a regulamentação coloque muitos ‘empecilhos’ ou restrições à atividade do profissional.
Em outras palavras, a expectativa, do âmbito dos profissionais de relações governamentais, parece ser a de regulamentar a atividade, em um primeiro momento, como um ‘seguro’ a quem exerce a atividade, sem que haja a imposição de muitas exigências.
O desafio maior, no presente momento, parece ser, portanto, que se encontre um equilíbrio entre o grau de liberdade que se deseja para o exercício da atividade e o nível necessário de segurança a ser agregado pelo marco normativo, na perspectiva de garantir que a atividade do lobby não entre em choque com os princípios mais amplos e substantivos da democracia como um todo.
Ricardo de João Braga, economista, mestre e doutor em Ciência Política. Professor do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados, pesquisador associado à Unidade de Inteligência do Congresso em Foco.
André Rehbein Sathler, economista, mestre em Comunicação, mestre em Informática, Doutor em Filosofia, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados, pesquisador associado à Unidade de Inteligência do Congresso em Foco.