Os EUA e o crescimento do desmatamento Amazônico


O diplomata Pablo Valdez, conselheiro para Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Saúde da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, reforçou o comprometimento do governo norte-americano em combater a crise climática e afirmou haver extrema preocupação com os altos níveis de desmatamento da Amazônia nos últimos anos.


Em entrevista exclusiva à Abrig, Valdez afirmou ainda que a relação entre Brasil e EUA é estratégica, construtiva, mutuamente benéfica e importante para ambos os lados. “O Brasil é uma grande economia e um líder regional e um dos grandes emissores do mundo. O Brasil indicou recentemente que pretende desempenhar um papel de liderança. Nós sabemos da grande porcentagem de energias renováveis no país, como por exemplo, a capacidade hidrelétrica e as fontes de energia eólica e solar. Porém, vemos que o desmatamento é uma questão que merece atenção”, afirmou.


Leia abaixo a entrevista concedida por Valdez:

ABRIG: O presidente Biden estabeleceu metas de redução da poluição de gases de efeito estufa até 2030 com o objetivo de criar empregos bem remunerados e garantir a liderança dos EUA em tecnologias de energia limpa. Quais são as principais características deste plano e como os EUA pretendem atuar no enfrentamento dos efeitos do clima que atualmente tem causado grandes impactos no território americano.  

Estamos comprometidos em fazer a nossa parte para combater a crise climática e assegurar que os Estados Unidos crie soluções para o clima no próprio país e para alcançar o objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius. No primeiro dia do seu mandato, o presidente Biden cumpriu sua promessa de reintegração Acordo de Paris e estabeleceu um caminho para o país enfrentar a crise climática em casa e exterior.   


Desde então, o presidente Biden anunciou que até 2030, os Estados Unidos reduzirão em 50-52% as emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 2005. Essa nova meta nos ajudará aumentar nossos esforços nos EUA e apoiará as metas já existentes do presidente para criar um setor de energia livre de poluição de carbono até 2035 e uma economia Net Zero até 2050. Outros compromissos feitos pela administração incluem: 500.000 estações de recarga de veículos em todo o país até 2030 e 35 bilhões de dólares investidos em pesquisa, desenvolvimento e demonstração de energia limpa. Para lidar com adaptação de mudanças climáticas, o presidente Biden anunciou, em agosto, cerca de 5 bilhões de dólares em fundos direcionados para ajudar comunidades a se prepararem para desastres e eventos extremos relacionados ao clima.  


Estamos empenhados em trabalhar com os governos, a sociedade civil e o setor privado para mobilizar investimentos que alcancem essas metas, ao mesmo tempo em que apoiamos uma economia forte.   

  

ABRIG: Como a agenda ambiental do presidente Biden impacta nas relações Brasil-EUA e como o Brasil pode apoiar o protagonismo global americano na utilização de tecnologias de energia limpa e na meta de ambiciosa de reduzir a zero emissões líquidas de gases de efeito estufa em toda a economia até 2050. 

Nossa relação bilateral é estratégica, construtiva, mutuamente benéfica e importante para ambos os lados. O Brasil é uma grande economia e um líder regional e um dos grandes emissores do mundo. O Brasil indicou recentemente que pretende desempenhar um papel de liderança. Nós sabemos da grande porcentagem de energias renováveis no país, como por exemplo, a capacidade hidrelétrica e as fontes de energia eólica e solar. Porém, vemos que o desmatamento é uma questão que merece atenção. 


Estamos extremamente preocupados com os altos níveis de desmatamento nos últimos anos na Amazônia, e com a alta dos incêndios sazonais na Amazônia e no Pantanal em 2020. Estamos entusiasmados com a notícia que o aumento de fiscalização tenha levado à uma redução de desmatamento da Amazônia nos últimos meses. Aplaudimos os esforços do Brasil e pedimos que continue a aumentar esses esforços para cumprir as leis brasileiras por toda a Amazônia. 


No passado, o Brasil já demonstrou grande capacidade de reduzir o desmatamento. É muito bem-vinda a meta do Brasil de reduzir a zero emissões liquidas de gases de efeito estufa em toda a economia até 2050. Aguardamos com muita expectativa os planos do Brasil para alcançar essa meta e a do desmatamento ilegal até 2030. Queremos trabalhar juntos com o Brasil e encontrar maneiras de reduzir e eliminar o desmatamento ilegal e atingir a neutralidade de carbono.  


ABRIG: De acordo com a Agência de Refugiados da ONU, existem 30,7 milhões de pessoas desalojadas em todo o mundo por conta dos efeitos do clima. Como os EUA pretendem atuar frente às questões climáticas fora de seus territórios e quais seus principais impactos no mundo? 

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) deixou claro que as mudanças climáticas já configuram uma crise. O relatório destacou que nosso clima está mudando rapidamente por causa da influência humana e já está alterando nosso planeta de formas drásticas, como por exemplo, o gelo do mar Ártico está em seu ponto mais baixo em mais de 150 anos; os níveis dos mares estão aumentando mais rápido do que em qualquer ponto nos últimos 3.000 anos; e geleiras estão diminuindo em um ritmo sem precedente nos últimos 2.000 anos. 


Os eventos climáticos - como calor extremo, chuvas intensas, condições de incêndios, e secas estão se tornando mais severas e frequentes.  Sobre o tema de refugiados, o presidente Biden assinou, em 4 de fevereiro, a Ordem Executiva sobre Reconstrução e Aprimoramento de Programas para Reassentar Refugiados e Planejamento para o Impacto de Mudanças Climáticas sobre Migrações. 


Essa ordem invoca que os Estados Unidos explore as implicações de segurança internacional de migrações relacionadas ao clima; e explore opções para a proteção e reassentamento de refugiados ambientais deslocados de forma direta ou indireta. Também pede a consideração de como isso deve afetar a assistência internacional dos Estados Unidos para mitigar os efeitos negativos de mudanças climáticas e encontrar oportunidades para trabalhar em colaboração com outros países, organizações e agências internacionais.     

  

ABRIG: O Enviado Presidencial Especial para o Clima, John Kerry, viajou para Japão e China, para envolver com contrapartes internacionais nos esforços para enfrentar a crise climática. Isso demonstra os esforços bilaterais e multilaterais dos Estados Unidos para aumentar a ambição climática antes da (COP26) na Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que será realizada Glasgow, Reino Unido. Na china foi firmada uma Declaração conjunta EUA-China sobre a crise climática. Quais os principais pontos contidos na declaração e qual a importância desse acordo para o estabelecimento de novas estratégias globais para a crise climática.  

Como o enviado especial para o Clima John Kerry disse recentemente que 'não há maneira de o mundo resolver a crise climática sem o engajamento e comprometimento completo da China.' A China precisa expandir seus esforços para reduzir emissões de carbono para que possamos manter a ambição de limitar aumento do aquecimento a 1,5 graus Celsius.  


O enviado Kerry viajou para Tóquio e Tianjin na China, de 31 de agosto a 3 de setembro, com o objetivo de alavancar os esforços bilaterais e multilaterais para aumentar a ambição climática antes da COP26. Em Tianjin, Kerry deu continuidade as discussões sobre a Declaração Conjunta Estados Unidos-China sobre a Crise Climática de 17 de abril de 2021. 


Os principais pontos da declaração são de que os Estados Unidos e China se comprometem na cooperação na questão climática, a implementação do Acordo de Paris, e ambos concordam na necessidade de aumentar as ambições globais em relação à mitigação e adaptação climática antes da COP 26.  

  

ABRIG: Em um momento de pandemia e retração econômica, como a agenda ambiental pode contribuir para o desenvolvimento das relações entre EUA-Brasil? 

É importante lidar com a crise climática e, também é uma oportunidade para acelerar a recuperação econômica, construir um futuro sustentável, criar milhões de empregos bem remunerados. Esperamos continuar trabalhando com o Brasil para expandir nosso diálogo e nossa cooperação, baseando-nos em nossas décadas de cooperação em desafios ambientais compartilhados. 


Queremos aprofundar nossos laços e discussões em torno de questões ambientais, desenvolvimento sustentável, e desenvolvimento socioeconômico, e a agenda ambiental inclui todos esses temas. Acreditamos que o Brasil tenha um enorme potencial para tornar um ator chave na economia verde. Há inúmeras oportunidades na área de inovação e tecnologia para reduzir emissões, promover agricultura sustentável, e gerar créditos de carbono. 


Por mais de 30 anos, a USAID tem apoiado projetos ambientais no Brasil. A Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) é uma plataforma de ação coletiva, orgânica, liderada pelo setor privado que busca fomentar novos modelos de desenvolvimento sustentável, conservar a biodiversidade e recursos naturais, e melhorar a qualidade de vida das populações locais. A USAID já investiu mais de 17 milhões de dólares em programas de sustentabilidade na Amazônia.


ABRIG: Atualmente, temos visto grandes empresas aplicando metas de emissão zero de carbono como medidas contra as mudanças climáticas. Como o Brasil pode agir para engajar os investidores dos EUA preocupados com essas questões? 

Esta década será decisiva para reduzirmos as emissões. Os passos que os países tomarem neste ano farão toda a diferença. Reconhecemos também que não é apenas responsabilidade dos governos, mas do setor privado, da sociedade civil, e da academia.  


O Brasil deve se esforçar para garantir que as leis ambientais sejam aplicadas ostensivamente, combatendo toda e qualquer irregularidade. Isso demonstrará a seriedade e comprometimento do governo brasileiro em defesa do meio ambiente e os resultados concretos ajudarão o Brasil a atrair investimentos verdes. Em um segundo momento, apresentar planos concretos para alcançar as metas de redução de emissões e desmatamento ilegal como apresentado pelo presidente Bolsonaro na Cúpula de Lideres.  


A Coalizão LEAF é uma iniciativa global que visa reduzir emissões por meio da Aceleração de Financiamento Florestal, a qual achamos fundamental que o Brasil participe. A LEAF busca fornecer apoio financeiro para países tropicais e subtropicais para que reduzam emissões derivadas de desmatamento e degradação das florestas. É uma coalizão que engloba companhias e governos para fornecer financiamento por meio de um sistema que visa aumentar a confiança e apoiar a redução de emissões com alto grau de integridade ambiental.  


ABRIG: Quais os desafios nas questões regulatórias para impulsionar a agenda ambiental nas relações Brasil-EUA? 

O Brasil e os EUA têm um longo histórico de trabalho conjunto na agenda ambiental, é uma parceria sólida, produtiva e construtiva. Na realidade, não temos muitos desentendimentos nos objetivos de combate o desmatamento. O Brasil tem excelentes leis ambientais já disponíveis e já demonstrou grande capacidade de lidar com esse problema. Acreditamos que a aplicação rigorosa das leis colocaria o país em uma posição melhor em relação aos seus desafios ambientais. Queremos ver passos positivos e concretos sendo tomados para alcançar as metas estabelecidas pelo presidente Bolsonaro de reduzir emissões e eliminar o desmatamento ilegal. 


Acompanhamos também com atenção os projetos de lei atualmente no Congresso que impactam as questões ambientais e a defesa de direitos de povos indígenas, e acreditamos que o governo honrará seus compromissos de direitos humanos e respeito a esses povos. São temas que o setor privado e organizações não governamentais norte-americanas e internacionais também acompanham de perto. 


Outra inciativa importante em questões regulatórias e de sustentabilidade é o estabelecimento de rastreabilidade de produtos. Essas iniciativas ganham cada vez mais apoio de produtores e consumidores ao garantir que produtos não estejam vindo de áreas desmatadas, ajudando assim, a reduzir mais ainda o desmatamento no país.  


Reitero as palavras do enviado Kerry "Fazemos tudo isso sabendo muito bem que nenhum país e nenhum continente sozinho pode resolver a crise climática".  "Nós não podemos permitir um mundo dividido em sua resposta para a crise climática quando a evidência para uma ação irrefutável é tão forte."

  


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  

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