Sancionado em 10 de novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff, o Dia Nacional da Consciência Negra é, antes de tudo, uma data de memória e resistência. Neste décimo primeiro ano, o 20 de novembro ganha expressivo significado e torna-se um necessário momento de reflexão, para que possamos analisar sobre como a instituição deste dia contribui para a construção de um pensamento coletivo lastreado, sobretudo, pelo respeito.
Segundo Dulce Maria Pereira, ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, o Brasil tem a maior população negra fora da África e a segunda maior do planeta. Essa informação revela importante dado sobre a formação racial brasileira, e o quanto é urgente e imprescindível que existam iniciativas que possam atender as necessidades específicas da população negra brasileira. E essas necessidades não são privilégios a um segmento, mas sim, um acerto de contas com a história da formação deste país.
Quando trazemos à baila a reparação histórica com a população negra do Brasil, é lembrado sobre a política de cotas para acesso a universidade e demais certames públicos. Saindo do superficial e mergulhando no mais profundo, tenta-se, na verdade, reparar a dívida com os negros e negras que deram seu suor, seu sangue e suas vidas – em caráter totalmente escravagista, para a manutenção econômica do Brasil do passado. Entretanto, se no imaginário popular as cotas para pretos são suficientes, equilibrando os erros do passado, enganam-se: há muitos problemas que ainda existem, precisando ganhar luz para que se transformem em discussões mais amplas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou recentemente uma pesquisa onde mostra que brancos têm rendimentos cerca de 40% maior que os negros. Em 2021, a média era de R$ 3.099/brancos para R$ 1.764/pretos e R$ 1.810/pardos. Na mesma pesquisa, o IBGE trouxe à tona outra realidade. Enquanto 11,3% dos desempregados são brancos, 32,7% são pretos e pardos.
Os dados são claros e deveras pungente. Essa exposição deixa claro outra realidade velada que existe no Brasil: o racismo. Como pode o país com mais negros fora do continente africano ser tão segregador? Como explicar que se jogam na marginalidade, que se pagam menos e que se matam mais homens e mulheres pela cor de sua pele?
O cinema nacional retrata uma cena clássica que abre amplo diálogo para as questões raciais que até aqui tratamos. O longa-metragem “O Paí, Ó” (2007), de Márcio Meirelles, demonstra uma discussão entre Roque (Lázaro Ramos) e Boca (Wagner Moura). O personagem de Lázaro questiona, após ser provocado por Boca, quais as diferenças que existem entre o homem branco e preto, seja em relação a saúde, sentimentos, dor e violência, quando é provocado por ser negro e sendo colocado em local de inferioridade em relação ao homem branco, interpretado por Moura.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), apresenta registros sobre 10.291 denúncias formais de injúria racial no país em 2020. No mesmo ano, casos de racismo não chegaram a 3 mil. Há uma diferença entre as tipificações penais de injúria e racismo, que precisam ser revistas e equiparadas para que não haja margem entre os sujeitos que praticam o presente crime.
É no 20 de novembro que rememoramos também a figura mítica do alagoano Zumbi dos Palmares, guerreiro que liderou homens e mulheres pretos e pretas na resistência contra a escravidão e pela liberdade de culto e religião. Vale também registrar sua companheira, Dandara dos Palmares, liderança feminina negra que lutou e auxiliou Zumbi em suas atividades.
Foi aprovado no Senado Federal o PL n° 482/2017, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (AP), que consolida o Dia Nacional da Consciência Negra como feriado nacional. Encaminhado à Câmara dos Deputados, o projeto ainda segue em tramitação. Entre todos aqueles que se propõem a pensar reflexivamente, não é apenas com a existência de um dia no calendário que fará com que o Brasil mude seus costumes em relação as nefastas práticas racistas. Ainda há muito o que se fazer e muito para percorrer na intenção de se combater o racismo institucional, que macula toda uma sociedade.
Se o Brasil recebeu este nome por ser derivado de uma árvore com tinta vermelha, a sua história de luta é preta, travada também pela bravura de João Cândido, Tereza de Benguela, Luís Gama, Carolina Maria de Jesus, e tantos outros e outras que, anonimamente, contribuem para fazer do Brasil um lugar melhor para se viver.
Por: Lucas Noia, homem autodeclarado negro. Membro da Associação Brasileira de Relações Governamentais e Institucionais – Abrig, e participante do Comitê Jovem RIG da mesma entidade. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, foi assessor especial na Assembleia Legislativa de Pernambuco – ALEPE e chefe de gabinete na Prefeitura Municipal de Gravatá/PE.