A geopolítica no contexto das decisões empresariais

Luciana Barbetta, head de Public Affairs na Weber Shandwick, escreveu com exclusividade para a Revista Abrig Digital. No artigo, ela aborda a importância do planejamento empresarial adequado para lidar com momentos de crise e como os valores, tanto da marca quanto do país sede da organização, devem ser as premissas para os posicionamentos corporativos nesses cenários de conflito geopolítico. Confira o artigo a seguir:

A política nacional costuma ser uma importante variável considerada pelas empresas para o direcionamento de suas ações e posicionamentos. Em tempos de cadeias globais de valor, o equilíbrio geopolítico das multinacionais é determinante para a manutenção e sucesso tanto do negócio quanto da estabilidade econômica. O relacionamento público-privado ganha contornos locais, regionais ou globais a depender da questão, e os recentes conflitos na Ucrânia evidenciaram de maneira extrema quão delicado ao negócio e à reputação pode ser um posicionamento e quão despreparadas para uma crise dessa natureza estavam as corporações à eclosão do conflito. Em sua maioria, optaram por se recolher e observar com cautela enquanto corriam nos bastidores elaborando sua posição adequada a cada praça.


Seja na adaptação da operação ou na segmentação de discurso, porta-vozes e executivos tomadores de decisão não estão omissos em questões outrora exclusivamente estatais. É um dos aspectos que abordamos recentemente no estudo “País de Origem como Stakeholder: O Crescente Risco Geopolítico para Líderes de Negócios”, realizado pela Weber Shandwick em parceria com a KRC Research e recém premiado pelo SABRE Awards 2022. Foram entrevistados 1.217 executivos de alto nível em 12 países, sendo 102 atuando no Brasil em empresas de sede nacional. Todos os participantes ​​são membros de board ou se reportam diretamente ao board, lideram empresas multinacionais de grande porte que geram um mínimo de US$ 500 milhões em receita anual e têm pelo menos 500 funcionários. Os brasileiros foram os que atribuíram maior importância ao alinhamento das decisões de negócio aos valores nacionais do país de origem de suas empresas e um dos poucos mercados pesquisados (2 em 12) a classificar instabilidade política como um dos cinco principais riscos geopolítico para o ambiente de negócios.


O Estado não é apenas stakeholder no âmbito de RIG, mas um ente em constante simbiose com a opinião pública de sua população, principalmente para setores altamente regulamentados. Chama atenção nas entrevistas realizadas ao longo de 2021 a baixa importância relativa atribuída a mudanças climáticas dentre os elementos externos prioritários considerados na tomada de decisão, ainda que em ano de COP26 e de ascensão da presença do ESG nos planos, projetos e campanhas. A causa ambiental é um bom exemplo de questão em que a iniciativa privada recentemente se apropriou de vácuos de comprometimento governamental, ocupando espaços narrativos e de responsabilidade compartilhada, com metas e planos de ação paraestatais.


Quando questionados sobre quão preparados estão os altos executivos de suas empresas para lidarem com crises geopolíticas, a maioria dos brasileiros não se considerou preparada: 78% dizem que sua empresa é mais reativa do que proativa quando se trata de risco geopolítico e 41% dizem que os líderes seniores de sua empresa não estão prontos para lidar com esse tipo de situação. Exemplo de reatividade é o que estivemos vendo nas últimas semanas de crise, marcas que deixaram a Rússia, com perdas no curto prazo, mas protegendo-se de impactos exponenciais em suas ações e na mancha reputacional. Muitas empresas optaram pelo recolhimento e a ênfase no discurso cauteloso sobre o lado humanitário.


A consonância entre os valores do país de origem e a fidelidade aos da marca, se bem estabelecidos, servem de âncora para os posicionamentos corporativos em crises. Há analistas que encaram a absorção desses papeis pela iniciativa privada – de influência ou mesmo de comprometimento com metas como as climáticas mencionadas – e a predominância das cadeias globais de valor como uma progressiva diluição de fronteiras nacionais. A crise ucraniana sugere que não é bem assim, mas que a concertação em torno dos mecanismos privados tem seu papel de peso no jogo de xadrez global.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig. 

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