Em entrevista para a Abrig, Raphael Caldas, fundador da Inteligov – empresa associada à Abrig, falou sobre os principais assuntos debatidos na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, realizada em Sharm El Sheikh, Egito, durante o mês de novembro. Após as definições de metas para os próximos anos e para que o Brasil atinja bons resultados é preciso, segundo ele, que o Legislativo se aprofunde em temas como a preservação da floresta amazônica, do pantanal e do cerrado brasileiro. Leia a seguir:
ABRIG: A COP 27, realizada este ano no Egito, ampliou o debate sobre assuntos urgentes, como a meta de temperatura global, economia de baixo carbono e transição energética e fundo de perdas e danos. O que podemos esperar de resultado concreto após esse intenso debate que trouxe novas demandas para o mercado?
RAPHAEL CALDAS: Apesar de temas relacionados ao aquecimento global não terem sido o centro das discussões, a decisão da criação do Fundo de Reparação (perdas e danos), que consiste em ajuda financeira de países desenvolvidos para outros em desenvolvimento, quando houver danos ambientais causados pela crise climática como enchentes e ciclones, é relevante. Para nações como o Brasil, onde a economia está fortemente baseada na exportação de commodities, e, portanto, diretamente afetada pelo clima, a medida pode ajudar, por exemplo, em casos de secas ou enchentes que causam perda ou diminuição na produção de alimentos.
ABRIG: Segundo algumas notícias veiculadas na mídia, a União Europeia esperava debates mais aprofundados durante a COP 27. Na sua opinião, quais temas deveriam ter ganhado mais destaque no debate?
RAPHAEL CALDAS: Uma das grandes dificuldades de empresas e governos é estruturar, na prática, quais ações serão endereçadas para a redução significativa de emissões de poluentes. Soma-se a isso a insegurança energética decorrente da guerra na Ucrânia, o que fez com que o planejamento de ‘redução gradativa’ de combustíveis fósseis fosse substituído pela expressão ‘eliminar subsídios ineficientes’.
A ausência de propostas mais concretas realmente dificulta a tomada de decisões. É preciso sair do discurso genérico e aprofundar o debate sobre temas mais delicados, como a substituição de matérias-primas poluentes - porém rentáveis - para matérias-primas mais sustentáveis, e que propiciam maior ganho econômico no longo prazo. Além disso, ainda não estão claros quais os padrões de transparência a serem respeitados pelas partes envolvidas nas negociações do mercado de carbono.
ABRIG: Tendo em vista a importância do Brasil no debate ativo quanto às questões de preservação e projetos ambientais, quais ações nacionais serão essenciais para estabelecer bons resultados em prol das decisões da COP 27?
RAPHAEL CALDAS: Será essencial que o Legislativo se aprofunde em temas como a preservação da floresta amazônica, do pantanal e do cerrado brasileiro. Direcionar ações capazes de impactar diretamente os altos índices de queimada seria uma das grandes vitórias possíveis.Outros temas essenciais que precisam ser discutidos incluem a desapropriação de terras e o uso de água para produção de bens e alimentos, por exemplo.
Finalmente, a questão dos direitos dos povos originários terá que ser retomada e reposicionada, pacificando-se o tema com a proteção dos direitos humanos desses grupos, o que envolve, necessariamente, ações de preservação das florestas.
ABRIG: O Plano de Implementação Sharm El Sheikh apresenta a urgência em trabalhar, de forma mais ampla e multisetorial, contra as crises climáticas, além de proteger e recompor a natureza e seus ecossistemas de forma sustentável. De que forma as empresas podem contribuir para o alcance desses objetivos?
RAPHAEL CALDAS: O ideal é que as empresas tomem ações proativas, sem a necessidade de obrigações para o cumprimento de determinadas metas. Nesse sentido, a implementação de práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) pode reduzir os impactos causados pelos negócios dos mais variados setores da economia. E, aqui vale ressaltar que a adoção de metas ESG não se trata do aumento de custos com questões ambientais, neste caso, mas trazem reais vantagens competitivas para o negócio. As empresas que já adotam em seu dia a dia medidas voltadas ao ESG estão melhor posicionadas e consolidando, cada vez mais, o seu valor perante ao mercado.
Vale lembrar, ainda, que as ações ESG podem (e, de certa forma, devem) estar alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, os quais incluem itens como Energia Limpa e Acessível; Cidades e Comunidades Sustentáveis; Consumo e Produção Responsáveis, dentre tantos outros alinhados com o plano de implementação.
Raphael Caldas é advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) e desenvolvedor atuante nas áreas de open data, sistemas corporativos e software as a service (SaaS). Fundador e idealizador da Inteligov, primeira plataforma brasileira de government relationship management. Atuou junto aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário nos três níveis da federação.